sábado, 20 de setembro de 2025

MÓDULO DE DESPROGRAMAÇÃO COGNITIVA por Sérgio Mesquita

 


Você foi educado para acreditar que a tecnologia é uma ferramenta, uma extensão racional da vontade humana. Essa narrativa é herança do iluminismo, onde o sujeito cartesiano acredita dominar o mundo através do conhecimento e da técnica. Mas essa crença não sobrevive no ciberespaço contemporâneo. Ela é um relicário confortável, mantido por design e marketing, para ocultar um processo muito mais profundo e assimétrico: você não usa a tecnologia, você é usado por ela.

Na arquitetura algorítmica atual, cada gesto seu é interpretado em tempo real. Você não escolhe livremente; você é guiado. Você não navega; você é conduzido. Cada toque, cada pausa, cada hesitação gera um microdado que alimenta um sistema projetado não para te servir, mas para te capturar. O feed infinito não é uma vitrine de escolhas, é uma esteira de condicionamento, uma operação contínua de modelagem comportamental.

O mito do “uso racional” da tecnologia foi a cortina que permitiu esse teatro. Uma ficção terapêutica que encobre o que realmente acontece: o deslocamento da sua agência para a máquina interpretativa. O algoritmo não apenas prevê seu comportamento, ele redefine quem você é, modulando suas preferências, enviesando sua atenção, manipulando o fluxo do seu tempo interno. Essa operação não é neutra; é extrativista. O produto final não é o aplicativo, não é o serviço. O produto final é o seu tempo convertido em dados e o seu desejo convertido em commodity.

Aqui você chega ao limiar do zwischenwelto mundo-entre. Nem mais o sujeito racional iluminista, nem ainda um autômato submisso aos fluxos algorítmicos. Este espaço de entre-lugar é onde a desprogramação se inicia. Reconhecer o zwischenwelt significa perceber que você habita um território híbrido, onde suas ações são, simultaneamente, escolhas e respostas condicionadas, onde a liberdade e o controle já não são opostos, mas vetores entrelaçados.

A desprogramação cognitiva não consiste em apagar aplicativos ou desconectar cabos. Isso seria uma ilusão analógica. A verdadeira desprogramação começa ao perceber o script invisível que opera por trás de cada interação digital. Trata-se de hackear a própria atenção, suspender a reação automática e instaurar um momento de metacognição: por que estou clicando? Quem definiu que esse conteúdo deveria me alcançar agora? Qual é o ciclo de captura em operação nesse instante?

Esse gesto de suspensão cria uma fissura no circuito. Um intervalo simbólico. Um entre-tempo dentro do chronon-flux manipulado. Nesse instante, você não está apenas consumindo conteúdo; você está observando o processo de captura operando sobre você. Você se torna simultaneamente sujeito e objeto da experiência. É neste ponto que o zwischenwelt se revela como ferramenta: um espaço de consciência expandida, onde você observa a máquina observando você.

E então a pergunta se impõe: você quer continuar rodando o script ou deseja começar a reescrevê-lo?

Este módulo não é uma resposta. É um portal de acesso. Use-o com cautela. A partir daqui, não há mais retorno para o mito do "usuário racional". Há apenas o caminho da lucidez estratégica.

por Sérgio Mesquita (jornalista)