quarta-feira, 18 de junho de 2025

BLOOMBERG: Antes o ‘político mais popular do mundo’, Lula perde rumo


 Há algumas semanas, um entusiasmado Luiz Inácio Lula da Silva mergulhou no meio da guerra comercial entre EUA e China fazendo um desafio direto a Donald Trump — nada menos que de um palco em Pequim:

Não temos medo de retaliação”, disse, momentos depois de assinar dezenas de acordos de investimentos com Xi Jinping, em viagem à China, no fim de maio. “Não é possível que um país do tamanho do Brasil, com a qualidade do Brasil, tenha medo de retaliação. Trump toma as medidas que ele achar que deva tomar para os Estados Unidos, e nós tomamos as medidas que nós achamos que temos que tomar para o Brasil. É assim que vai ser.

Aquele era um Lula clássico, repleto da atitude desafiadora que definiu sua longa jornada para transformar o Brasil em um grande e respeitado ator internacional.

Seis meses após uma cirurgia cerebral de emergência e no meio de seu terceiro mandato, Lula continua tão enérgico e ambicioso no cenário mundial como nos outros dois governos. Ele se encontrou com Emmanuel Macron em Paris na semana passada, sediará a cúpula do BRICS em julho, no Rio, e realizará a conferência anual do clima das Nações Unidas na Amazônia no fim deste ano.

Mas se essa atitude no cenário externo o ajudou a se tornar um astro global — “o político mais popular da Terra”, como Barack Obama o chamou em 2009 —, agora está mascarando uma verdade cruel: no Brasil, Lula está se desintegrando.

A pouco mais de um ano das eleições, a maioria da população desaprova o presidente, cuja popularidade está entre as mais baixas de seus mandatos. Os investidores passaram a apostar que não há chance de recuperação do seu governo, ao mesmo tempo em que uma sensação de melancolia começou a se instalar entre assessores e aliados, muitos dos quais temem que uma das histórias de sucesso político mais notáveis ​​do mundo esteja à beira de um capítulo final devastador.

A explicação frequentemente citada é uma mistura de mal-estar econômico e uma percepção cada vez mais intensa da falta de formulação de políticas públicas audaciosas dos mandatos anteriores.

Soma-se a isso um certo desleixo e lentidão em estancar os problemas, à medida que a alta inflação atinge as pessoas a quem Lula prometeu preços mais baixos. Mas esses são sintomas de um problema maior, dizem pessoas próximas ao presidente: o próprio Lula.

Nos últimos meses, a Bloomberg News conversou com quase duas dúzias de aliados, funcionários do governo, assessores e outras pessoas próximas a Lula, todos os quais pediram anonimato para falar livremente. A Secretaria de Imprensa da Presidência não respondeu a pedido de comentário.

As conversas pintaram um quadro claro. Cerca de quarto de século depois de sua ascensão ao poder, Lula se baseia em uma abordagem que, embora bem-sucedida no passado, se mostra agora incapaz de atender às novas demandas da população. Lula reluta em aceitar críticas ou conselhos que não venham de um círculo cada vez menor de pessoas em quem confia. E, apesar das visões grandiosas para o futuro, seu governo é um deserto de ideias para enfrentar os desafios do dia-a-dia, dizem pessoas ao seu redor.

É um declínio surpreendente para um homem que, até pouco tempo atrás, parecia o antídoto perfeito para o caos político que abalou o mundo nos últimos tempos. Após quatro anos de um tumultuado governo Jair Bolsonaro, muitos apostaram que Lula poderia restaurar a normalidade por meio de seu hábil instinto político e do pragmatismo que conduziram o Brasil por um breve, mas impressionante período de desenvolvimento há duas décadas.

Em vez disso, parece apenas o rosto mais recente de uma gerontocracia teimosa que não abre mão do controle, mesmo que a ordem política sem imaginação que lidera se mostre incapaz de navegar em uma tempestade de fúria eleitoral que continua a abalar o mundo. Assim como Joe Biden e outros antes dele, Lula não tem um sucessor óbvio para regenerar seu movimento — e nenhum interesse aparente em preparar um.

Preso no passado

Muitas pessoas próximas a Lula dizem que é cedo demais para desconsiderar sua capacidade de recuperação. Ele continua competitivo nas pesquisas eleitorais, apesar da perda crescente de popularidade e de aprovação.

Os esforços de Bolsonaro para escapar da prisão e encenar um retorno trumpiano paralisaram a direita, com clara dificuldade de se mover sem o aval do ex-presidente. E Trump, com sua guerra comercial nacionalista, já ajudou a rejuvenescer partidos de centro no Canadá e na Austrália, que pareciam fadados à derrota.

Lula, por sua vez, é um sobrevivente, mas pergunte por que ele está enfrentando tantas dificuldades e a resposta é quase unânime: o presidente que antes tinha uma capacidade única de reconhecer suas próprias vulnerabilidades e de se adaptar a cenários políticos mutáveis, agora parece preso ao passado.

A principal promessa eleitoral de Lula era que ele restauraria os bons tempos que o país viveu sob sua liderança de 2003 a 2010, quando o crescimento explosivo impulsionado pela bonança global das commodities e políticas arrojadas transformaram o Brasil e seu presidente em destaques.

Muitos aliados reconhecem agora que a campanha de 2022 baseava-se em pura nostalgia, sem um programa com soluções inovadoras para o que atualmente aflige o Brasil.

PASSADO DE GLÓRIA

No passado, a capacidade de Lula de expandir programas sociais que produziram reduções drásticas da pobreza e da fome sem abrir um rombo no orçamento entusiasmou trabalhadores e investidores. No início de seu primeiro mandato, ele acalmou os temores do mercado acumulando superávits fiscais.

Isso lhe deu amplo espaço para investir pesado em uma resposta à crise financeira global de 2008 e ajudar o Brasil a evitar a carnificina que ocorreu com outras nações. Lula deixou o cargo no fim de 2010 com índices de aprovação próximos a 90%. A economia brasileira estava a caminho de ultrapassar a do Reino Unido e da França, alimentando a crença de que sua ascensão como superpotência era inevitável.

Não foi assim, como ficou claro após uma década de turbulência política e econômica. E o Lula que retornou ao cargo em 2023 permaneceu apegado à ideia de si mesmo como protagonista da “Maré Rosa” que varreu a América Latina com eleições de líderes de esquerda na virada do século 21.

Um dos primeiros indícios de sua falta de atualização surgiu cinco meses após o início de sua nova presidência, quando convidou o autoritário venezuelano Nicolás Maduro a Brasília para um encontro de líderes sul-americanos. A atitude incomodou assessores, que temiam que isso minasse a mensagem pró-democracia que ele havia propagado contra Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Mas rapidamente perceberam que não havia espaço para protestar: Lula, um antigo aliado do antecessor de Maduro, Hugo Chávez, estava determinado em estender a ele o tapete vermelho.

Assessores assistiram consternados Lula declarar que o venezuelano havia sido “vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”, comentários que lançaram uma sombra sobre seu eventual rompimento com Maduro e os esforços para mediar uma solução para a problemática e nada transparente eleição do ano passado no país.

Lula também retomou de onde havia parado na tentativa de exercer a influência do Brasil internacionalmente. Resgatou sua luta por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Aproveitou seu mandato como presidente do G20 para fomentar plano para um imposto global sobre bilionários. Ao lado da China, buscou um papel de liderança nas negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia. Agora, pretende transformar o BRICS em um contrapeso a Trump e um defensor da ordem multilateral que o presidente dos EUA colocou sob ataque.

Mas o poder do Brasil de se impor internacionalmente sempre esteve absolutamente ligado à sua capacidade de realizar a promessa de ser uma potência econômica.

Lula vem impulsionando o crescimento e mobilizando recursos externos para investimentos em infraestrutura e reindustrialização, iniciativas que em grande parte reprisam programas de seus dois mandatos anteriores. Mesmo os elementos modernos de sua plataforma, como um impulso para descarbonizar a economia e desencadear uma transição verde, visam atrair investimentos estrangeiros para financiar esses objetivos, o que demanda tempo.

A princípio, essa receita, mesmo que antiga, parecia que poderia funcionar. A economia do país cresceu três vezes mais rápido do que o esperado em 2023, enquanto a inflação desacelerou.

Lula reassumiu o poder após uma pandemia que exigiu resposta fiscal significativa e tornou os investidores intolerantes aos riscos associados a déficits orçamentários que se expandiram.

Sua impaciência com as demandas dos mercados financeiros veio à tona em novembro, quando ignorou assessores e anexou uma proposta para isentar salários de até R$ 5 mil do Imposto de Renda a um muito esperado pacote de cortes de gastos. A medida exacerbou uma onda de vendas cambiais que levou o real a mínimas históricas em relação ao dólar.

Nos bastidores, a irascibilidade ficou evidente desde o início. Em setembro de 2023, assessores convenceram Lula a se reunir com o então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro, a quem ele passou meses criticando por causa da taxa de juros de dois dígitos destinada a conter a inflação pós-pandemia.

Momentos após o término da conversa de 90 minutos, qualquer esperança de que levasse a uma trégua evaporou. Campos Neto mal havia saído da sala quando Lula, convencido de que o presidente do Banco Central estava tentando estrangular a economia, começou a falar mal dele novamente, segundo várias pessoas familiarizadas com a situação.

O desejo de Lula de crescer rapidamente estava enraizado na crença de que uma economia robusta ajudaria a quebrar a febre que produziu Bolsonaro. Assim como no caso Biden, isso se provou um erro de avaliação muito caro.

A economia brasileira cresceu 3,4% no ano passado e o desemprego caiu para níveis quase históricos. Apesar de bons, esses dados não ajudaram Lula como o esperado, pois seus gastos também alimentaram a inflação anual, que permanece acima de 5%, apesar de ter desacelerado ligeiramente no início de maio. Isso forçou o Banco Central a elevar a taxa de juros para o nível mais alto em quase duas décadas.

Alguns assessores econômicos veem a necessidade de segurar as rédeas para priorizar a inflação. Mas o distanciamento do governo em relação aos mercados continua aumentando. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem tentado equilibrar as prioridades de Lula com as demandas dos investidores para fortalecer as perspectivas fiscais do Brasil, desencadeou mais uma onda de alta do dólar há dez dias, quando anunciou o aumento do IOF para ajudar a atingir a meta fiscal deste ano.

Haddad rapidamente reverteu a proposta considerada bem controversa e que acabou gerando preocupações de que o governo estivesse flertando com o controle de capitais.

Medidas erráticas como esta anteciparam o clima de campanha e muitos investidores já mostram simpatia por uma candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, como uma alternativa favorável ao mercado.

O índice de aprovação de Lula caiu 13 pontos desde outubro passado, com a alta de preço dos alimentos pesando sobre sua popularidade, de acordo com a LatAm Pulse, pesquisa realizada pela AtlasIntel para a Bloomberg News. Os brasileiros não estão tão pessimistas quanto estavam em março, quando três quartos dos entrevistados disseram que os salários não estavam acompanhando os preços e mais da metade culpou as “políticas econômicas falhas” do governo. Mas a maioria ainda classificou a economia como ruim, apesar de o Brasil ter registrado seu 15º trimestre consecutivo de crescimento.

O escândalo no INSS, envolvendo cerca de R$ 2 bilhões em descontos indevidos de contas dos aposentados, é outro flanco aberto do governo. Embora a equipe de Lula tenha culpado o antecessor e o presidente tenha prometido punir os envolvidos, a crise está reacendendo preocupações com corrupção na população e aumentando a pressão sobre Haddad para encontrar dinheiro em um orçamento que já está no limite.

Os investidores temem ainda que Lula eleve os gastos para alavancar sua popularidade. Alguns dentro de seu governo temem que isso represente mais risco de inflação do que efetiva vantagem política.

A estratégia de Lula parece cada vez mais ultrapassada. Ele não conseguiu reconquistar os evangélicos, uma população em expansão que transformou comunidades pobres, antes esquerdistas, em bastiões conservadores. Quantidades recordes de auxílio agrícola não fizeram nada para trazer os agricultores — um pilar da nova direita — para o seu lado. A classe média está frustrada e desconectada de seu governo e sua desaprovação cresce entre os jovens, os pobres e as mulheres, de acordo com pesquisa LatAm Pulse.

“Não tem volta ao passado, o país hoje é outro até do ponto de vista das aspirações das pessoas”, disse Maria Hermínia Tavares, cientista política e professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. “Lula e seu partido não se preparam para dar respostas diferentes. Quase não houve reflexão sobre o que uma agenda progressista deveria ser e como ela se apresentaria em circunstâncias novas e mais desafiadoras.”

Sem Plano B

Esse problema decorre, em grande parte, das mudanças que Lula e o PT sofreram desde a última vez em que ocuparam o cargo mais alto do Brasil. Outrora uma das forças políticas mais dominantes da América Latina – venceu quatro eleições presidenciais consecutivas de 2002 a 2014 –, o partido entrou em constante declínio quando a presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment em 2016 e Lula foi preso dois anos depois.

Após a derrota para Bolsonaro em 2018, o partido se transformou em um movimento quase exclusivamente focado em libertar Lula, uma iniciativa que, embora bem-sucedida, o privou da capacidade de servir como incubadora das ideias políticas inovadoras que o definiram por décadas.

Lula, por sua vez, saiu da prisão confiando em um grupo muito restrito e seu núcleo político no Palácio do Planalto reflete bem isso. Durante sua primeira presidência, ele regularmente organizava churrascos de fim de semana e jogos de futebol, o que proporcionava a ministros e autoridades um valioso tempo com o presidente. Esses eventos não existem mais.

Seu círculo de assessores de confiança se estreitou, e os debates internos são dominados por um pequeno grupo de petistas. Os auxiliares mais antigos, que tinham liberdade para fazer críticas, rarearam.

Outros, como a ministra do Planejamento, Simone Tebet – cujo apoio foi tão crucial para a estratégia da frente ampla de Lula em 2022 que alguns aliados esperavam que ele lhe desse um papel de liderança no gabinete – foram amplamente marginalizados.

O partido envelheceu junto com seu líder. Com uma média de idade de 56 anos, a bancada do PT na Câmara é a mais velha de qualquer outro grande partido, mostrou uma matéria do jornal O Globo no ano passado. Haddad, considerado o herdeiro político mais provável de Lula, tem 62 anos e está sem vencer uma eleição há 13 anos.

Isso tem efeitos perceptíveis. Lula tem priorizado o combate à desinformação online com a regulamentação das mídias sociais, discutindo esse tema com frequência com Macron e outros líderes na Europa e América Latina. No entanto, seu governo adotou uma estratégia de comunicação anacrônica que, em grande parte, cedeu o mundo digital a uma direita bem mais astuciosa.

Muitas das políticas de Lula, incluindo a proposta de isenção do Imposto de Renda para os mais pobres, são extremamente populares, de acordo com o LatAm Pulse. No entanto, os oponentes têm frequentemente pego seu governo desprevenido com ataques nas redes sociais – muitas vezes repletos de informações falsas – enquanto a mensagem positiva do governo nunca chega ao seu público: 60% dos brasileiros não ouviram falar de suas iniciativas recentes, de acordo com pesquisa Quaest divulgada em junho.

A falta de reposição política levanta preocupações de que o PT se torne irrelevante quando Lula deixar o palco, um colapso que agravaria a situação de um establishment global que luta para se adaptar às mudanças eleitorais e ao surgimento de uma extrema direita mais agressiva e autoritária, em marcha dos EUA para a Alemanha e por países da América Latina.

A esperança de Lula e da centro-esquerda brasileira para evitar essa onda pode vir de Trump e de Bolsonaro. O presidente americano já abalou a visão dos brasileiros sobre suas medidas protecionistas, que agora começam a estar abertos a laços mais estreitos com a China.

A insistência de Bolsonaro em concorrer, apesar de estar inelegível e de um julgamento iminente por tentativa de golpe, por sua vez, causa preocupação entre seus aliados de que ele possa, em última análise, passar a responsabilidade para um familiar em vez de Tarcísio, bem posicionado nas pesquisas com vistas a 2026.

Nos últimos meses, o susto causado pela cirurgia e a queda livre em sua popularidade alimentaram a expectativa entre aliados de que Lula começasse uma transição em vez de arriscar suas chances em um quarto mandato, mas essa expectativa durou pouco.

O presidente se encarregou de anunciar em almoços, jantares e encontros políticos que está pronto para concorrer novamente. Ao contrário de Biden, não há no PT uma figura como Obama para ajudá-lo a se afastar; nenhuma estrutura partidária para instá-lo a renunciar, como o partido liberal canadense fez com Justin Trudeau; e ninguém para substituí-lo.

Nas últimas semanas, Lula empurrou Haddad para uma candidatura ao Senado em 2026, encerrando qualquer conversa sobre sucessão e deixando todos reconhecendo publicamente o que já havia ficado claro a portas fechadas há tempos: Lula é o Plano A, B e C da esquerda brasileira até o fim, seja ele qual for.