Na edição de segunda-feira (16/6) do Jornal Oficial de Maricá (JOM), foi divulgada mais uma lista de contemplados com bolsas de até R$ 84 mil pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá (ICTIM). A iniciativa, cuja missão formal é “estabelecer um núcleo de pesquisas e de estudos sobre a cidade de Maricá, com vistas a novas ferramentas tecnológicas, equipamentos públicos e projetos culturais, visando ao desenvolvimento local”, parece, na prática, estar sendo utilizada como instrumento político de favorecimento pessoal e partidário.
Entre os nomes revelados estão: Ana Cristina Nunes Machado, Janaina Martins da Costa, Arthur Bernardo da Costa Batista, Adolfo Lachtemacher, David Tygel, Maria Luiza Mesquita Henriques, Rayanne de Medeiros Gonçalves, Silvio Tendler, Maria Geralda de Miranda, Lucas Santos Curvello e José Augusto de Almeida Neto.
Chama atenção que alguns desses nomes já haviam sido beneficiados anteriormente com bolsas no âmbito do próprio ICTIM, durante a gestão de Celso Pansera – atual presidente da Companhia de Desenvolvimento de Maricá (Codemar) – como membros do Conselho Curador da criticada plataforma de streaming Maricá Filmes. Uma iniciativa pública cujo impacto e resultados práticos para a cidade são até hoje questionáveis, como já noticiado pelo Jornal da República Online.
O caso do cineasta Silvio Tendler merece destaque: ele é pai da coordenadora do projeto Maricá Filmes, Ana Rosa Barreto Campello Tendler, o que levanta sérias dúvidas sobre conflito de interesses e nepotismo cruzado. Pai e filha, portanto, estão mais uma vez simultaneamente remunerados com bolsas dentro da mesma estrutura institucional, sem qualquer concurso público, processo seletivo ou mesmo publicação prévia de critérios de escolha.
Sem chamamento, sem critérios, sem isonomia
A prática adotada pelo ICTIM contraria frontalmente os princípios constitucionais da administração pública, especialmente os da isonomia, impessoalidade, transparência e publicidade. A Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações) e a nova Lei nº 14.133/2021 determinam que, sempre que recursos públicos forem utilizados para contratação ou concessão de benefícios, deve haver chamamento público ou seleção que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes.
No entanto, o ICTIM vem reiteradamente distribuindo bolsas de maneira obscura, sem qualquer seleção pública ou justificativa técnica para a escolha dos nomes. Isso configura, no mínimo, uma afronta ao princípio da moralidade administrativa, previsto no artigo 37 da Constituição Federal.
Recentemente, o Jornal da República Online denunciou outras duas bolsas concedidas pelo ICTIM. Uma delas, de R$ 120 mil, foi concedida ao atual secretário municipal de Saúde, Marcelo Velho, que já tem um salário de R$ 27.093,67. O médico, que é alvo da Operação Salus da Polícia Federal (investiga R$ 71 milhões desviados da Saúde), foi contemplado com uma bolsa no projeto de "aplicação intralesional do fator de crescimento epidérmico (Heberprot) em úlceras crônicas de pé diabético".
A mesma finalidade justificou a concessão de várias bolsas a um amigo pessoal (e morador de Brasília) de Celso Pansera. Trata-se de Daniel Alvão de Carvalho Junior, que foi secretário parlamentar (SP22), de 15 de maio de 2015 a 4 de outubro de 2015, no gabinete do então deputado federal Celso Pansera. Quando este tornou-se ministro de Ciência e Tecnologia, Daniel logo virou assessor especial do MCTI. De volta à Câmara Federal, Pansera retornou com o fiel escudeiro, que lá ficou como SP24 de 22 de novembro de 2016 a 31 de janeiro de 2019. Hoje, no ICTIM, onde Pansera mantém o controle político, tem uma bolsa de R$ 60 mil.
Já tiveram bolsas no ICTIM também o secretário municipal Igor Sardinha e seu sub Magnun Amado, acumulando com seus vencimentos em cargos de chefia. Outro contemplado foi Carlos Augusto de Azevedo, ex-presidente do Inmetro, que, coincidentemente, foi nada mais, nada menos o chefe de gabinete de Celso Pansera no Ministério de Ciência e Tecnologia. E, ainda, Luiz Roberto Acacio de Matos, servidor da Faetec e amigo pessoal do presidente do ICTIM, Cláudio Gimenez, e de Pansera, por quem inclusive já fez campanha eleitoral.
A farra e os 'agraciados'
Também figuram entre os bolsistas já escolhidos a dedo e sem critério pelo ICTIM: as irmãs Luciana Gomes Postiço e Tatiana Gomes Postiço, o diretor da Codemar, Amaury Vicente Baptista do Nascimento, além de Rogério de Miranda Pfaltzgraff Lima, André Luiz Toribio Dantas, Sérgio Ricardo Ferreira Harduim, Manuela da Cruz, Nayara de Souza Almeida, Liliane Antunes, Renata Araújo Veríssimo Lustosa, Sérgio de Mattos Fonseca, Jade Fuchs Scisinio Ferreira, Ariele da Silva, Valdenilson de Souza Brito, Amanda Santos Félix, Anselmo Carneiro de Almeida Vasconcellos, Eduardo Soares Jangutta, Débora Silva Quirino do Nascimento, Paulo Cesar Reis, Gustavo Toledo Martin, Renata Ferreira Soares, Allan Viegas, Morgany Leite dos Santos, Sonia Saj Porcacchia, Patríc Florenço, Dalgiza Andrade, Maria Auxiliadora de Azevedo Coutinho e Castro, Claudio Marcos e Ivo Bucaresky.
Indicações políticas e vínculos institucionais cruzados
Outro exemplo de uso político da estrutura do ICTIM é o caso de Rayanne de Medeiros Gonçalves, contemplada com uma das bolsas nesta nova rodada publicada no início da semana. Rayanne é atualmente gerente geral da Incubadora de Inovação Social Mumbuca Futuro, programa gerido pela organização social Instituto Singular de Ideias Inovadoras (ISII), que tem contrato com o ICTIM.
Além disso, Rayanne é conhecida nos bastidores como indicação direta do vereador Hadesh (PT), líder do governo, reforçando a tese de que o ICTIM tem sido utilizado como moeda de troca política e mecanismo para complementar salários de aliados do governo municipal.
Desenvolvimento ou apadrinhamento?
Enquanto o discurso oficial defende a inovação e o desenvolvimento tecnológico, a prática aponta para um apadrinhamento institucionalizado, em que bolsas de pesquisa e incentivo cultural funcionam, na verdade, como cabides de emprego para aliados políticos e reincidentes premiados.
A atual presidência do ICTIM, sob responsabilidade de Cláudio de Souza Gimenez, parece dar continuidade à mesma lógica, operando à margem das boas práticas administrativas e desvirtuando a missão institucional do órgão.
Para se ter uma ideia do que vem sendo praticado no ICTIM, hoje, de acordo com o Portal da Transparência, são 66 cargos comissionados e apenas 10 concursados, sendo que o concurso público ainda está em vigência e os aprovados clamam frequentemente por novas convocações. Além disso, a autarquia opera, em seus projetos, com pelo menos cinco organizações sociais, das quais não se tem acesso à transparência das centenas de contratos terceirizados. São elas: Instituto Maayan, Instituto Singular de Ideias Inovadoras (ISII), Instituto Brasil Social (IBS), Instituto de Desenvolvimento Socioambiental (IDS) e Universidade Popular de Educação para a Sustentabilidade (UPES).
Sobre os bolsistas, não se sabe também ao certo o quantitativo, pois o Portal da Transparência não deixa isso exposto.
A população maricaense merece transparência, critérios objetivos e verdadeira meritocracia no uso dos recursos públicos – e não um ciclo vicioso de favorecimentos travestidos de projetos científicos.
O Ministério Público e os órgãos de controle precisam urgentemente investigar essas nomeações, identificar irregularidades e coibir a utilização do ICTIM como uma extensão do balcão político-partidário.
com informações do Jornal da República on line