Confira abaixo a matéria do jornal A TRIBUNA, na integra:
Religiosos de matriz africana lavaram apenas a calçada da Paróquia Nossa Senhora do Amparo
O caso aconteceu no último sábado (14), quando religiosos tentavam manter uma tradição de 24 anos na cidade. A lavagem da igreja, que deveria ocorrer, foi impedida pelo padre Max Celestino Sales de Almeida, responsável pela paróquia. Em ofício, ele alegou que o evento não se tratava “de uma atividade cristã, porque não condiz com a fé cristã católica”.
O religioso alegou ainda que “os fiéis dessa paróquia, há alguns anos, vêm demonstrando descontentamento por tal atividade ser realizada na escadaria da Matriz”.
Os participantes do evento realizaram um cortejo e fizeram a lavagem da calçada da Paróquia.
Indignação
Pelas redes sociais, lideranças de religiões de matriz africana da região não esconderam a insatisfação com o ocorrido. A professora e ativista Dofona Mãe Simone de Iemanjá disse que há uma lei municipal, em Maricá, que garante o direito à realização da atividade, apoiada pela Secretaria de Assuntos Religiosos local. Ela atribui o fato “a mais um caso de intolerância, porque nenhum outro padre, antes desse, opôs-se ao acontecimento do ato”:
“Não tivemos acesso às escadarias, como ocorre todo ano. Foi colocado um portão, no final das escadas. Queria deixar registrado o meu descontentamento e a minha indignação com essa falta de respeito pelos nossos. Nossa religião é de acolhimento e respeita todas as outras. Eu lamento demais a postura que foi tomada de desrespeito e desagregação”, disse, com o ofício do padre Max em anexo.
Organizador do evento, Antônio Jonas Chagas, o Pai Liminha (Babalorixá Jonas de Jagun), que preside a Fonte para Orientação Religiosa das Matrizes Africanas (Forma), disse que a Secretaria “nos deu um apoio externo”, mas o padre Max Celestino “colocou um portão para impedir o acesso ao degrau da escadaria. É caso de intolerância religiosa”, ressaltou Chagas, destacando também a existência de um outro documento, redigido em 2006, pelo falecido padre Manuel Rodrigues da Cruz, da mesma paróquia. No texto, destaca-se a permissão da lavagem da escadaria da Matriz de Nossa Senhora do Amparo. No ofício, o padre Manuel ia além: “Se estiver livre, poderei abençoar com água benta todos os presentes”.
Chagas acrescenta que, em anos anteriores, já ocorreram eventos de lavagem da escadaria, com participação de famosos, como, por exemplo, a falecida cantora Beth Carvalho – “sem atrapalhar o prosseguimento das missas”.
Também nas redes sociais, um advogado, de nome Jorge Vianna, prontificou-se a ajudar. Ele citou leis recentes, sancionadas. Uma, instituindo o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé e outra, que tipifica a injúria racial como crime de racismo, aumentando a pena do crime para quem pratica, induz ou incita “a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, cometidos no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais, destinadas ao público”:
“Após este episódio me pus a refletir sobre a real eficácia dos instrumentos institucionais que visam coibir essas práticas e punir seus autores. Cheguei à conclusão de que não é mais possível que os vitimados por tais crimes se limitem à resistência simbólica. Se faz necessário buscar junto às autoridades a responsabilização daqueles que infringiram a lei”.
Em nota, a Prefeitura de Maricá informou que a Coordenadoria de Assuntos Religiosos encaminhou ofício ao Padre Max Celestino Sales de Almeida, pároco da Igreja Matriz Nossa Senhora do Amparo, solicitando “esclarecimento pela não abertura do portão no último sábado (14), quando aconteceria a ‘24ª Lavagem da Escadaria: Um pedido de Paz ao Mundo’”:
“A Lavagem da Escadaria da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Amparo foi inserida no calendário oficial de eventos do município a partir da promulgação da Lei nº 2512/14 e conta com apoio da Prefeitura”.
O município reitera que, ainda de acordo com a Coordenadoria de Assuntos Religiosos, a Forma apresentou um documento, de novembro de 2006, em que a mesma Paróquia declarou, na época, “não se opor ao desenvolvimento Cultural nas Artes dos Folclores Afros Brasileiros, em especial a Lavagem da Escadaria”.
Procurados a se pronunciar, o padre Max Celestino Sales de Almeida não respondeu à reportagem, até o fechamento desta edição.
A assessoria de comunicação da Arquidiocese de Niterói – que representa as igrejas católicas de Maricá – disse que “a Igreja Católica sempre prezou pelo diálogo inter-religioso. E deseja, junto aos irmãos de todas as confissões cristãs e não cristãs, a paz ao mundo”. Acrescenta ainda que, “unida a todas as paróquias do mundo e a todas as religiões, a Paróquia de Nossa Senhora do Amparo, no dia 1º de janeiro – Dia Mundial da Paz -, reafirmou seu compromisso de construir a paz tão necessária em nosso mundo de hoje”.
Banco de dados
A Rede Intermunicipal de Liberdade Religiosa do Rio de Janeiro trabalha para concluir, nesta semana, o planejamento de um banco de dados sobre a intolerância religiosa em todo o estado, com informações de casos registrados nos 92 municípios fluminenses. O painel pode ser um dos frutos da 2ª Semana Carioca de Diversidade Religiosa, que acontece entre o dia 16 e 19/01, marcando a comemoração do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado no sábado (21).