No sábado 14, deveria ter acontecido a tradicional lavagem das escadarias da igreja Matriz de Nossa Senhora do Amparo, evento realizado há 24 anos e que desde 2014, por força de lei (2512/14) passou a integrar o calendário turístico, cultural e religioso de Maricá.
Mas, para surpresa, tristeza e INDIGNAÇÃO de todos os presentes e para grande parte da comunidade maricaense (são só a comunidade espírita), a lavagem foi PROIBIDA pelo MANDATÁRIO da diocese de Maricá, o padre Max que DEIXOU OS PORTÕES de acesso à igreja Matriz FECHADOS tanto ao público quanto aos religiosos de corrente afro que participariam da tradicional cerimônia e ficou limitada à calçada em frente à igreja.
O jornal Barão de Inohan foi o primeiro a lamentar o fato e fazer matéria repudiando o fato e o ATO (PADRE MAX PROIBE TRADICIONAL LAVAGEM DAS ESCADARIAS DA IGREJA MATRIZ https://obaraoj.blogspot.com/2023/01/padre-max-proibe-tradicional-lavagem.html), não só como INTOLERÂNCIA RELIGIOSA, mas principalmente por uma pessoa que se apresenta como líder religioso - CONHECEDOR DE LEIS - ter CUSPIDO, PISADO, RASGADO e DESRESPEITADO uma lei existente na cara do poder executivo e legislativo municipal.
Em anos anteriores, nas últimas 23 edições, os padres que antecederam o atual mandatário, SEMPRE concordaram e um deles, o querido e saudoso Padre Manoel, em 2006 (8 anos antes da lei ser criada e sancionada), em ofício para o organizador (Pai Liminha), não só autoriza, como diz que se estiver disponível no dia, PARTICIPARÁ e ABENÇOARÁ COM ÁGUA BENTA TODOS OS PRESENTES.
É bom também lembrar que, em muitas edições (a maioria delas), a igreja sempre esteve fechada, e mesmo com os portões fechados, TODOS TINHAM ACESSO AS ESCADARIAS, pois o portão ficava no topo. Muitos ensaios fotográficos de aniversários, casamentos, festas e de visitantes foram feitos nestas escadarias, também cartão postal de Maricá, mas agora, desde que o atual mandatário tirou o portão do topo e colocou embaixo (próximo a calçada), ninguém tem acesso as escadarias o que também por si só é um fato e uma atitude lamentável (sem contar que o mesmo não respeitou nem a estética da grade que circunda a igreja matriz.
Na matéria, o jornalista Pery COBROU de todos os setores religiosos, culturais e administrativos do município um POSICIONAMENTO OFICIAL. Poucos vieram, mas para nós, um dos mais importantes posicionamentos, foi divulgado pela CÂMARA SETORIAL DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA de Maricá, em uma data bastante simbólica; no sábado 21 (uma semana após o lamentável fato e justamente nas "COMEMORAÇÕES" do Dia Mundial de Combate a Intolerância Religiosa.
Quem escreveu e emitiu a nota de repúdio (muito bem explicada, detalhada e pontuada) foi o Conselheiro Júlio Fernandes, presidente da Câmara Setorial de Cultura Afro-Brasileira de Maricá, que estava de viagem e sabendo dos fatos lamentáveis ocorridos, já durante a semana começou a manter contatos para saber o tamanho real do problema e tão logo findou sua viagem, emitiu a nota que reproduzimos na integra abaixo:
CÂMARA SETORIAL DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Conselheiro Júlio Fernandes
A Câmara Setorial de Cultura Afro Brasileira de Maricá, Artistas e Trabalhadores da Cultura de Maricá/RJ,* se manifestam em Nota de Repúdio pelo impedimento da realização da 24ª Edição da Festa Tradicional da Lavagem das Escadarias da Igreja Matriz Nossa Senhora do Amparo pelo Padre Max Celestino Sales de Almeida, Pároco da Igreja Matriz que proibiu e impediu a realização da tradicional lavagem das escadarias da Igreja Matriz.
A Igreja Matriz Nossa Senhora do Amparo, é Patrimônio Cultural Material e Imaterial do Povo de Maricá e símbolo arquitetônico da cidade, não podendo ser tratada como propriedade comum por um indivíduo que por mera liberalidade desacata as leis municipais, em desrespeito à história, memória e às tradições do povo de Maricá.
A Igreja Matriz, cartão postal de nossa cidade, não pode ser um espaço na memória de nossa gente, como um local público de exercício de intolerância e racismo onde lhe é negado o seu direito de acesso.
Consideramos o desrespeito à Lei municipal promulgada 2512/14, e publicada no JOM Jornal Oficial de Maricá, que garante o exercício do direito desta festividade de congraçamento, um desacato aos poderes públicos e especialmente ao Poder executivo e Legislativo Municipal. O evento faz parte do calendário religioso e turístico da cidade de Maricá, publicado no site da Prefeitura de Maricá no dia 09 de janeiro de 2023.
Nós, da Câmara Setorial de Cultura Afro-Brasileira de Maricá/RJ, consideramos a decisão arbitrária e também uma violação dos direitos humanos do povo maricaense em exercer suas práticas de festividades religiosas, considerando ainda perseguição religiosa e injustificável da atividade pacífica em Ato pela Paz, sendo a atitude do padre uma nítida demonstração de intolerância religiosa e racismo, francamente combatida pelo atual presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, assim como pelos seus ministros Direitos Humanos - Sílvio Almeida, Ministra de Igualdade Racial - Anielle Franco e da cultura Ministra da Cultura - Margareth Menezes que em seus recentes discursos de posse declararam não mais seria permitido no Brasil
Ministra de Igualdade Racial - Anielle Franco:
"É preciso reconhecer que esse país foi sedimentado sob hierarquias raciais, consequências do colonialismo escravocrata das políticas eugenistas e das narrativas pautadas na desigualdade racial aqui se desenvolveu o racismo brasileiro negando a nossa história e falseando uma memória em prol da farsa da democracia racial. O Racismo merece um direito de resposta eficaz e nós gostaríamos de convidar a todos negros e brancos para que possamos formular e executar juntos essa proposta.”
Ministra da Cultura - Margareth Menezes:
...“Acompanhamos os diálogos e vimosos desmontes perversos das nossas políticas culturais das instituições. Sabemos o tanto que sofreram a Fundação Palmares, o IPHAN, a ANCINE, a Biblioteca Nacional, a FUNARTE, e a CASA RUI BARBOSA e o IBRAM, mas principalmente junto com meus colegas nós ouvimos as pessoas, nessas escutas junto com diversas pessoas.. e percebemos a profundidade do que o que aconteceu nos últimos anos, a criminalização dos trabalhadores e trabalhadoras e a falta de entendimento do significado da força da produção cultural do Brasil. Me emocionei com inúmeros relatos de luta do meio da cultura para o reconhecimento dos seus direitos e a busca incessante de seus espaços e de dignidade”, ouvi e acompanhei os diagnósticos e vi as vias de superação e chego agora às duas últimas palavras que darão o tom de nossa gestão no tratamento com servidores da cultura: RESPEITO E CUIDADO!”
Ministro de Direito Humanos Sílvio Almeida:
“Vou dizer o óbvio que, no entanto, foi negado pra nós nos últimos quatro anos, trabalhadores e trabalhadoras do Brasil: Vocês existem e são valiosos pra nós! Mulheres do Brasil: Vocês existem e são valiosos pra nós! Homens e Mulheres pretas e pretos do brasil: Vocês existem e são valiosos pra nós! Povos indígenas desse país: vocês existem e são valiosos pra nós! Pessoas Lésbicas, Gays e Bissexuais: vocês existem e são valiosos pra nós! Transexuais, travestis, Intersexo e não binárias: vocês existem e são valiosos pra nós! Pessoas em situação de rua: vocês existem e são valiosos pra nós! Pessoas com deficiência, idosas, anistiados e filhos de anistiados, vítimas de violências, da fome e da falta de moradia: vocês existem e são valiosos pra nós! Pessoas que sofrem com falta de acesso a saúde, companheiras, empregadas domésticas, todos e todas que sofrem com a falta de transporte, TODOS E TODAS QUE TÊM SEUS DIREITOS VIOLADOS: VOCÊS EXISTEM E SÃO VALIOSOS PRA NÓS!”
Cabe lembrar que a Lei 7.716 (Lei do Crime racial) tipifica crimes resultantes de discriminação ou preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Cabe lembrar ainda que foi recentemente sancionada pelo senado, no dia 13/01/2023, a lei que equipara a injúria racial ao crime de racismo, sendo considerado a partir desta data como crime inafiançável.
Também o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva declarou não ser mais possível aceitar intolerâncias de nenhuma espécie em todo território brasileiro.
O desacato das determinações do Presidente da República, e as determinações das políticas públicas do Ministério de Igualdade Racial e do Ministério de Direitos humanos é uma clara demonstração de intolerância religiosa e desrespeito praticado pelo imperialismo religioso imposto nos últimos 500 anos da história à cultura brasileira e aos povos tradicionais que constituem a nossa nação.
Desta forma nos manifestamos em Nota de Repúdio por considerarmos intolerável a omissão de toda e qualquer autoridade e instituição representativa do povo maricaense e solicita a Casa Legislativa, por seus Vereadores e o Poder Executivo, na pessoa do Prefeito da cidade de Maricá, que tome imediatas providências, cobrando o cumprimento da Lei Municipal que garante a festividade da lavagem das escadarias, com a devida reparação social de danos e a marcação de uma nova data para a festividade pacífica do “PEDIDO PELA PAZ NO MUNDO”! (N.R.: negrito da redação do Barão de Inohan)
E dentro deste espaço e tempo, procuramos lembrar as autoridades do Município de Maricá, que se faz necessária a criação de espaços naturais e urbanos para atendimento das praticas de religiões de matriz africana que estão sitiadas somente em seus espaços privados, por falta de demarcação legal de seus direitos e uso dos espaços públicos.
Cientes da nossa responsabilidade em representar todos àqueles e aquelas que carregam em si as heranças culturais, religiosas e sociais do continente africano, em um ano que procede seis anos ininterruptos de apagamento, silenciamento e retrocesso de direitos, não só da comunidade afro-brasileira (que se expressa na cor, mas também nas práticas), mas incluindo comunidades indígenas, LGBTQIA+, mulheres e outros grupos anônimos e vulneráveis, principais vítimas das políticas de genocídio e empobrecimento da nossa sociedade brasileira, esta Câmara opta por participar do espaço de discussão e luta para garantir direitos aos sujeitos praticantes de religiões de origem preta e africana, práticas outrora proibidas e hoje, muitas vezes ainda proibidas e sempre perseguidas, seja por meio de palavras, pedradas, insultos, expulsões e mortes. Mas seguiremos resistindo, pois nossas cabeças só se abaixarão para o Divino.
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
Bertolt Brecht
CÂMARA SETORIAL DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Conselheiro Júlio Fernandes