As 14 escolas de samba do Grupo Especial do Carnaval de São Paulo já passaram pelo Sambódromo do Anhembi. A Independente Tricolor abriu o primeiro dia e a Dragões da Real encerrou o segundo.
Os temas apresentados pelos sambas-enredo variaram da luta dos povos negros a liberdade religiosa e homenagens à África e ao nordeste.
Qual escola vai ser campeã do Carnaval 2023 em São Paulo?
A Independente Tricolor abriu o Carnaval 2023 do Grupo Especial em São Paulo com um desfile inspirado na Guerra de Troia, disputa entre gregos e troianos no século 12 a.C. A agremiação retorna à elite após três anos no Grupo de Acesso.
O enredo "Samba no Pé, Lança na Mão, Isso É uma Invasão!" foi interpretado por Pê Santana e faz alusão ao histórico conturbado da escola, rebaixada em 2018. No ano seguinte, a agremiação teve seu galpão consumido por um incêndio. O enredo faz um paralelo com a vitória da escola em retornar ao Grupo Especial paulistano.
A agremiação surgiu a partir de uma torcida organizada do São Paulo. O carro abre-alas tinha uma representação de Ares, o deus grego da guerra. Em seguida, veio o carro Mistérios do Mar Egeu, com uma alegoria do deus do mar, Poseidon. O terceiro carro, com a ala das crianças, representava o reinado de Príamo. Depois, um carro representando o famoso cavalo de Troia encerrou o desfile.
Independente Tricolor leva a Guerra de Troia para o Sambódromo
Mileide Mihaile é a rainha de bateria e desfilou após levar um tombo nos ensaios da Grande Rio, no Rio de Janeiro. A ex-mulher de Wesley Safadão comentou que estava recuperada: "Está tudo bem, a queda só me deixou mais atenta".
A madrinha de bateria, Phoebe Vecchioni, atravessou o Sambódromo do Anhembi com uma fantasia de R$ 100 mil composta de 15 mil cristais Swarovski e penas de diversos pássaros. Ela representou Penélope, mulher de Ulisses.
Tatuapé faz desfile bonito, mas pouco empolgante ao cantar sobre Paraty
A segunda escola a desfilar em São Paulo foi a Acadêmicos do Tatuapé. Para 2023, a agremiação escolheu contar a história da cidade de Paraty, do litoral sul do Rio de Janeiro.
Os enredos CEPs, como são chamados os temas em torno de uma localização, é um caminho arriscado para as agremiações. Isso porque, mesmo com uma grande pesquisa por parte do carnavalesco, a escola fica limitada a contar a história da cidade, bem como seus pontos turísticos e belezas naturais. Foi o que aconteceu com a Tatuapé.
Com um primeiro setor inteiro falando sobre o mar de Paraty, a Tatuapé apresentou um enredo correto, mas com poucas novidades.
Nota 10!
O ponto alto do desfile foi o samba, que possui um refrão brincante e casou bem com a voz do intérprete oficial, Celsinho Mody. A união entre a música e o cantor embalou os foliões que cantaram com a escola.
A qualidade das fantasias e alegorias da escola também é indiscutível. A agremiação apresentou um trabalho criativo e bem acabado. Com carros com boa estética e fantasias bem elaboradas.
A presença da sambista Leci Brandão, madrinha da escola, no início do desfile também entregou charme ao desfile. A cantora esteve na frente da escola e saudou o público do Anhembi.
Sob chuva forte, Barroca Zona Sul homenageia indígenas do Pantanal
A Barroca Zona Sul enfrentou chuva forte hoje durante seu desfile no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo.
A escola apresentou o enredo "Guaicurus!", homenageando o povo indígena que defendeu a região do Pantanal de invasores estrangeiros por mais de 300 anos.
As condições climáticas não impediram a agremiação de finalizar o desfile dentro do tempo previsto. Os componentes não se abalaram e seguiram o desfile animados e entoando o samba-enredo com força.
Interpretado por Pixulé, o enredo diz: "Auê, auê? Guaicuru chama para guerra. Eu sou o grito que amedronta a floresta. Auê, auê? Guaicuru não tem senhor. Cavalgando mata adentro, enfrentando o invasor".
Neste ano, um dos destaques da escola é Laudine Oliveira. Ela é a primeira pessoa intersexual a desfilar como destaque numa escola de samba.
"Não quero que as pessoas tenham pena de mim. Estou aqui porque meu desejo de viver é grande. Existem muitos de intersexual e é muito importante que as informações sejam difundidas."
Vila Maria faz desfile sobre a própria história, religião e até Papai Noel
A Unidos de Vila Maria foi a quarta escola a desfilar hoje no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo. A escola apresentou o samba-enredo "Vila Maria, Minha Origem, Minha Essência, Minha História! Muito Além do Carnaval", sobre a história da própria escola.
A variedade das alegorias surpreendeu o público: os carros homenagearam a padroeira Nossa Senhora Aparecida, a imigração japonesa, o Natal e até Michael Jackson. Isso porque, relembrando sua história, a escola relembrou também os enredos passados.
O desfile anterior, da Barroca Zona Sul, aconteceu sob chuva forte. Queijo, diretor de Carnaval da Vila Maria, disse que não se importaria de desfilar na chuva também: "Não atrapalha não, a chuva foi uma bênção. Quando a escola subiu para o especial [em 2017], choveu muito. Então, para nós, o espetáculo está pronto".
Mas a chuva deu uma trégua: ainda na concentração, virou uma garoa e permitiu que o desfile acontecesse sem percalços.
A musa da escola, Vivian Cristinelle, contou que fez uma "dieta reversa" para ganhar massa muscular e se preparar para o desfile:
"Eu aumento carboidratos, proteínas. Enquanto algumas pessoas cortam, eu estou consumindo mais. Ontem eu tive uma refeição livre e comi pizza."
Rosas de Ouro exalta história negra com famosos, e Manoel Soares chora
A Rosas de Ouro foi a quinta escola a desfilar no Sambódromo do Anhembi hoje, com o enredo "Kindala! Que o amanhã não seja só um ontem com um novo nome" sobre a luta do povo negro por igualdade.
Manoel Soares desfilou em um dos carros alegóricos, representando Zumbi dos Palmares, e chorou comentando a experiência na Globo. Ele contou que teve uma crise de dor no ciático e pensou em desistir do desfile, mas sua família o impediu.
Nomes como Karol Conká, Leci Brandão, Formiga, Rappin Hood, Adriana Lessa e Angelo Assumpção também participaram do desfile em outro carro, este com uma faixa citando uma frase do discurso de posse do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida: "Vocês existem e são valiosos para nós".
O samba-enredo foi composto por Arlindo Cruz em parceria com Fabiano Sorriso em 2005. Na época, o samba não foi o vencedor, mas ficou marcado na quadra da Rosas de Ouro. No ano passado, o carnavalesco Paulo Menezes sugeriu que a música fosse o samba-enredo de 2023.
No desfile, a comissão de frente foi dedicada aos horrores dos navios negreiros, com uma alegoria móvel que se balançava simulando o movimento do navio. A frente do carro foi decorada com esqueletos dourados cobertos de sangue.
Tom Maior homenageia mães negras e religiões afro no Anhembi
A Tom Maior fez o penúltimo desfile da noite no Sambódromo do Anhembi, com o enredo "Um Culto às Mães Pretas Ancestrais".
"É uma exaltação à mãe. À mãe que cria, que nos educa, que nos direciona, que nos protege e nos acolhe. A mãe à qual devemos respeito e devoção. Tudo isso através de uma visão de mito iorubá-nagô", explicou o carnavalesco Flávio Campello.
A homenagem às religiões de matriz africana ficou explícita não só na letra do enredo, mas também nas alegorias. O carro abre-alas, por exemplo, representava a criação do universo na cabaça de Odu.
Os carros seguintes faziam referência a outros aspectos da maternidade, como guiar ou disciplinar os filhos. A última alegoria foi uma homenagem a Nossa Senhora Aparecida, e a escola escolheu uma mulher negra para interpretar a padroeira.
A rainha de bateria, Andréia Gomes, ocupa o posto há 25 anos: "Para mim é uma honra estar há 25 anos na frente dessa bateria, nessa escola maravilhosa. E hoje com um enredo representando as mães pretas, é uma alegria muito grande. Tô muito feliz, é tudo para mim", concluiu.
Gaviões da Fiel encerra primeiro dia com Sabrina e liberdade religiosa
A Gaviões da Fiel fechou a primeira noite de desfiles no Sambódromo do Anhembi com o samba-enredo "Em nome do pai, dos filhos, dos espíritos e dos santos... Amém".
Antes mesmo do início do desfile, a escola já animou a arquibancada distribuindo bandeiras para a plateia.
Rainha de bateria, Sabrina Sato desfilou com uma fantasia de dragão com direito a asas, garra e chamas saindo da cabeça da apresentadora. A roupa é uma homenagem a São Jorge:
"Nessa corrente eu sou mais um Guerreiro de São Jorge, mensageiro de Ogum! Santo guerreiro adorado em diversas partes do mundo e por gente de diferentes crenças, São Jorge, hoje, abençoa e protege o desfile da nação corinthiana no Anhembi.
Entraremos na avenida com a força e a determinação de São Jorge. Unidos pela paixão pelo Carnaval e pela fé em Jorge, vamos fazer história essa noite!", escreveu Sabrina no Instagram antes do desfile.
O samba-enredo interpretado por Ernesto Teixeira fala sobre intolerância religiosa.
ESCOLAS TAMBÉM BRILHAM NO SEGUNDO DIA
Terceiro Milênio dribla perrengue e celebra comédia com humoristas
A Estrela do Terceiro Milênio abriu a noite de hoje no Sambódromo do Anhembi com um samba-enredo que homenageou a "arte de fazer rir".
A escola enfrentou algumas dificuldades antes de entrar na avenida e não conseguiu começar o desfile no horário previsto. No horário marcado para o início do desfile, a Milênio ainda colocava alguns componentes nos carros alegóricos.
"Tem um lado todo do carro abre-alas pra subir ainda. Não tem máquina o suficiente. Não tem máquina suficiente pra subir o povo. Nós estamos aqui desde as 19h subindo gente com pouca máquina. Precisamos entrar 22h30, mas precisa de máquina. Agora, se não der, a culpa não foi minha", desabafou o presidente da agremiação, Silvão Leite, na concentração.
Fazendo jus ao samba-enredo, vários humoristas desfilaram. Entre eles, Marcelo Adnet, que usou uma camiseta em homenagem a Paulo Gustavo, Marcelo Tas, que vestiu o visual que marcou seu período como apresentador do CQC, Alexandre Porpetone, o "Cabrito Tevez" do SBT, personagens de "A Praça é Nossa", Ellen Rocche, e Antonio Tabet e Thati Lopes, do Porta dos Fundos.
As alas, supercoloridas, representaram a comédia desde a época dos bobos da corte, passando pelas obras do autor francês Molière e do ator britânico Charlie Chaplin. O livro "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, o apresentador Jô Soares e Roberto Bolaños, o Chaves, também ganharam homenagens.
A atriz e ex-BBB Carla Diaz estreou como madrinha de bateria e descreveu sua fantasia como uma "joia": "Ela tem mais de 50 mil pedras. Tô muito feliz. Como diria a Khadija: 'Inshalá! Muito brilho para entrar na avenida'", disse Carla Diaz.
"Ser madrinha de bateria é muito especial. É uma grande responsabilidade. A Terceiro Milênio tem um projeto muito legal com as meninas da escola. Meninas adolescentes estão vindo junto comigo à frente da bateria. É uma honra dividir a frente com a bateria com essas meninas da comunidade do Grajaú. É uma escola que valoriza a comunidade" concluiu.
A escola encerrou o desfile com um carro alegórico que homenageou Paulo Gustavo. O humorista está sentado no colo de uma figura do Cristo Redentor, que diz: "Menino, você é mesmo uma peça!".
Acadêmicos do Tucuruvi canta Bezerra da Silva para retratar a periferia
Com o samba-enredo "Da Silva, Bezerra. A Voz do Povo!", a Acadêmicos do Tucuruvi foi a segunda escola a passar hoje no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo.
O desfile falou do povo brasileiro por meio da obra e história do sambista pernambucano Bezerra da Silva.
A comissão de frente já trouxe um toque pessoal do artista: um dos integrantes usou a boina e os óculos originais de Bezerra, cedidos por Ítalo, filho do músico, que também participou do desfile.
A bateria dos "Zaca" veio vestida com o traje tradicional dos "malandros", em homenagem ao estilo de vida do sambista, tido como um dos reis da "malandragem".
"Tem que ter fé pra viver nesse país/Brasileiro não desiste, nunca vai desistir/A esperança tá em cada um de nós, ôôô/A voz do Bezerra é a nossa voz", canta o samba, puxado por Carlos Júnior.
As alas trouxeram elementos das comunidades, trabalhadores, da boemia e da periferia. Uma delas se referiu de forma crítica à política do país: chamada de "ladrão legalizado", apresentou os integrantes usando uma placa escrita "político". A desigualdade social também foi abordada, com fantasias que faziam referência à fome e ao preconceito.
A religiosidade marcou presença: um dos carros alegóricos fez referência à umbanda, religião praticada pelo músico.
Em outro carro, a figura de Bezerra da Silva veio em uma cruz, como no disco "Eu Não Sou Santo", mas carregando uma faixa com os dizeres "Salve o povo da favela". Na alegoria, personagens da comunidade, como mototaxistas e borracheiros, sambaram em frente a estabelecimentos comuns na periferia, como loja de geladinho, salão de beleza e templos religiosos: uma igreja evangélica e um centro de umbanda, lado a lado.
Carla Prata, rainha da bateria, contou que enfrenta uma doença autoimune para desfilar no Carnaval. Ela trata a miastenia gravis, que ataca o sistema imunológico e provoca fraqueza e dores musculares.
"Vou na minha médica toda semana e atualizo meus exames mensalmente. Tomo muitos comprimidos por dia para conseguir estar bem aqui. Entrego muito mais do que poderia", disse.
Mancha Verde leva filha de Lampião para a avenida em homenagem ao Nordeste
A atual campeã do Carnaval de São Paulo, Mancha Verde, foi a terceira escola de samba a entrar no Sambódromo do Anhembi na noite de hoje, apresentando o enredo "Oxente - Sou xaxado, sou Nordeste, sou Brasil".
A escola usou tons vibrantes para contar a história do xaxado e retratar o cangaço, o sertão e a caatinga, geralmente representados em tons de amarelo e marrom.
Com grandes vestidos azuis e verdes, a ala das baianas veio adornada com flores de mandacaru, muito comuns na região nordeste do país.
O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira atravessou a avenida usando laranja e amarelo fluorescente, representando o sol do sertão. O segundo casal estava caracterizado de Lampião e Maria Bonita, com brilhantes trajes azuis.
A filha única de Lampião, aliás, participou do desfile. Expedita Ferreira da Silva, de 94 anos, foi destaque do carro alegórico "No Tempo do Cangaço", que contou com uma figura de sete metros de altura do cangaceiro.
"Mancha Verde é emoção, oxente/Coração do nordestino bate no peito da gente/Somos uma só família, êta povo abençoado/Hoje meu samba vai no passo do xaxado", canta o samba. Puxado por Fredy Vianna, o enredo foi acompanhado de uma sanfona e ganhou toques de xote.
O desfile homenageou ainda figuras nordestinas de destaque como Luiz Gonzaga, o rei do baião, e o religioso Padre Cícero.
Durante a passagem da Mancha pela avenida, a torcida da escola, empolgada e cantando alto, acendeu sinalizadores verdes na arquibancada.
Viviane Araújo, veterana das avenidas, desfilou como rainha de bateria da escola e disse estar "feliz e realizada" por voltar ao Carnaval de SP, já que em 2022 ela optou por desfilar apenas no Rio.
Casa Verde supera sofrimento para exaltar riqueza dos ritmos africanos
A Império de Casa Verde levou os tambores africanos para o Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, no quarto desfile da noite.
O samba-enredo "Império dos Tambores — um Brasil Afromusical" propôs uma viagem pelos ritmos do continente e sua influência na música brasileira.
Com isso, a escola optou por mostrar a riqueza cultural trazida pelos africanos em vez de falar do sofrimento dos negros escravizados. Um dos carros alegóricos, por exemplo, representou um navio negreiro trazendo os ritmos da África para o Brasil, em vez de representar a dor e o sofrimento da escravidão.
O baobá, árvore que representa a vida em muitos países da África, marcou presença em vários momentos de desfile. Uma alegoria mostrava um tigre, símbolo da escola, entalhado no tronco da árvore.
A ala das baianas veio caracterizada de "griôs", contadores de história da África antiga, responsáveis por transmitir os saberes de geração em geração.
Outras alas homenagearam o Olodum, o maracatu, o maxixe, o baile charme de Madureira e os bailes funks de São Paulo.
As sambistas Elza Soares, Clara Nunes e Dona Ivone Lara também foram honradas pela Império de Casa Verde no desfile.
"Chama a senzala firma a batucada/Gira na umbigada, jongo e caxambu/É som de preto, música do gueto/Mística de ketu, maracatu", puxou o intérprete Tinga.
À frente da bateria, veio Theba Pitylla, que faz parte da escola há 20 anos e, estreou no posto de rainha neste Carnaval.