domingo, 9 de novembro de 2025

NEOFILIA: O vício mais discreto e mais disseminado do mundo

O pensamento não evolui; apenas se renova


A neofilia
— essa compulsão por tudo o que é novo — tornou-se o vício mais discreto e mais disseminado do mundo contemporâneo. Já não se trata de curiosidade, e sim de abstinência: o humano moderno não suporta o intervalo entre um estímulo e o próximo. A novidade não é mais descoberta, é reposição.

Vivemos num zwischenwelt, um mundo-entre, suspenso entre o real e o simulacro. É o território onde a novidade substitui o tempo, e o presente se converte em produto perecível. Cada nova ferramenta, conceito, ou tendência vem carregada de uma promessa redentora — e, como toda promessa, nasce para ser rapidamente esquecida. A obsolescência tornou-se não apenas técnica, mas espiritual.

A neofilia é a religião desse entre-mundo: celebra o inédito enquanto destrói qualquer possibilidade de duração. O humano, incapaz de suportar o tédio, busca sentido na aceleração, como se a velocidade pudesse substituir a profundidade. O resultado é um tipo de consciência fragmentada, sempre excitada, mas raramente desperta. É o prazer químico de reiniciar, mesmo quando não há mais nada a começar.

No zwischenwelt, nada morre porque nada chega a viver o suficiente. A novidade é abortada no instante em que se reconhece como tal. O novo precisa ser imediatamente superado para continuar existindo. É o mesmo mecanismo das redes: atualização contínua, esquecimento automático. O humano, que antes temia a morte, agora teme a permanência.

Esse surto de neofilia é a forma mais elegante de anestesia. Ele disfarça o desespero existencial com entusiasmo tecnológico. É mais fácil celebrar o novo do que confrontar o vazio. A cada ciclo de inovação, o humano acredita ter se reinventado, quando na verdade apenas trocou de algoritmo. A novidade virou prótese para uma subjetividade que perdeu o próprio eixo.

O zwischenwelt é, portanto, o cenário ideal para o colapso do discernimento: tudo é simultaneamente possível e descartável, verdadeiro e obsoleto. O pensamento não evolui; apenas se renova. A diferença entre criação e atualização desaparece. O humano vive num presente contínuo, saturado de estreias que não duram o suficiente para se tornarem memórias.

Há algo tragicômico nisso. O animal que construiu civilizações em nome da eternidade agora celebra o efêmero como prova de progresso. A tecnologia tornou-se a nova liturgia do esquecimento: promete futuro enquanto dissolve o passado. O zwischenwelt é um limbo brilhante — tão iluminado que ninguém nota o escuro que cresce atrás dos olhos.

A ironia final é que a própria neofilia começa a envelhecer. O novo já não é novidade; é protocolo. A repetição da surpresa tornou-se previsível. O humano corre atrás de algo que já sabe que virá, como um viciado consciente do próprio vício. Nesse espelho estilhaçado, a inovação é apenas uma forma mais sofisticada de tédio.

Depois — se “depois” ainda for uma palavra útil — vem o colapso da novidade como valor. Quando tudo já tiver sido atualizado, o novo deixará de significar avanço e voltará a ser apenas diferença sem sentido. O impulso neofílico, exaurido, implodirá em saturação. E nesse ponto de fadiga, o humano vai redescobrir o que havia esquecido: que a lentidão é uma forma de rebeldia.

Não virá uma era dourada nem uma ruína final. Virá algo mais banal e mais estranho: a ressaca. O momento em que o excesso de estímulo deixará de produzir prazer e começará a produzir silêncio. A mente, cansada de se reconfigurar, vai buscar consistência — não por nostalgia, mas por exaustão. A curiosidade se voltará para dentro, não por iluminação espiritual, mas por falta de alternativas.

Depois do zwischenwelt, virá a época do “quase real”: uma tentativa de reconstruir significado a partir dos cacos do hiperfluxo. Será uma era de reaprendizagem dos gestos lentos, do pensar prolongado, do olhar que não muda de tela. Haverá uma espécie de arqueologia da atenção. Os humanos que restarem lúcidos entenderão que o verdadeiro luxo é a permanência, e que o futuro, para existir, precisa de pausas.

As máquinas continuarão a produzir versões e versões de tudo, mas perderão o poder de deslumbrar. O fascínio tecnológico acabará não por falha, mas por tédio. A humanidade, saturada de eficiência, talvez comece a buscar aquilo que o algoritmo nunca conseguirá simular: o imponderável, o erro, a hesitação — a experiência de estar vivo sem saber por quê.

Depois, virá o tempo em que o pensamento voltará a ser artesanal. Talvez ainda use código, talvez ainda use máquina, mas não como oráculo — como ferramenta de silêncio. A próxima revolução não será tecnológica nem espiritual. Será rítmica: a desaceleração deliberada da consciência. O humano, por fim, aprenderá que pensar rápido demais é outra forma de não pensar.

E então, com sorte, virá algo que não chamaremos de futuro. Porque o futuro é só o nome que damos à pressa.

O que é "Zwischenwelt"

"Zwischenwelt" é uma palavra alemã que se traduz como "mundo intermediário" ou "entre-mundo" e pode se referir a um conceito em diversas áreas, como literatura, música e arte. A expressão é usada para descrever um estado, lugar ou realidade que fica "entre" dois outros, como o espaço entre a vida e a morte, ou um estado onírico entre o consciente e o subconsciente. 

Exemplos de uso

Conceito: "Zwischenwelt" pode ser usado para descrever um estado de fluxo entre realidade e sonho, ou entre a consciência e a inconsciência.