quarta-feira, 12 de novembro de 2025

"A cidade que sangra e brilha" por Luana Gouvêia

 A política que se abraça no luxo e esquece quem morre no chão.

Eu vejo o Rio de Janeiro sangrar há anos.
E essa dor não está nos discursos prontos, nem nos gabinetes climatizados.
Essa dor está no olhar de quem acorda cedo, atravessa a cidade em transporte lotado e sai de casa sem saber se volta.

Governos passam.
Promessas se repetem.
Escândalos se acumulam.
E o essencial, educação, saúde, segurança, vai sendo desmontado como se fosse detalhe.
O Estado entrou em colapso.

De um lado, o tráfico.
Do outro, a milícia.
E no meio, a população, abandonada à própria sorte.
E mais uma vez o Rio chorou.
Policiais morreram.
Famílias foram destruídas.
Uma jovem perdeu a vida indo trabalhar, o que deveria ser rotina virou tragédia.
O luto virou discurso.
Virou pauta.
Virou palanque para quem tenta reviver um projeto político já desmoralizado. 


E então aparece quem não foi eleito pelo povo: o STF.
De longe, distante do que realmente acontece no chão da cidade.
Não para defender as famílias dos policiais.
Nem para amparar a memória da jovem trabalhadora.
Mas para questionar o Estado diante daqueles que estavam com armamento de guerra.

Enquanto isso, em Maricá, assistimos ao mesmo roteiro.
A cidade é apresentada como vitrine, enquanto por trás cresce o medo:
Casas invadidas, comércios acuados, famílias em silêncio.

E quem permanece no comando dessa engrenagem?
Washington Quaquá.
Crises chegam.
Denúncias surgem.
Cenários mudam.
Mas ele sempre reaparece.
Sempre tratado como absolvido.
Sempre intocável.
Como se cidade tivesse dono.
Como se poder tivesse sobrenome.
E o ciclo segue.

O Rio sofre de janeiro a janeiro.
Mas quando chega fevereiro, o país inteiro olha pra cá.
A cidade vira vitrine.
Luzes, bateria, avenida cheia.

E é aí que tudo se mistura:
a dor encoberta pelo espetáculo.

Enquanto mais lares se desfazem em silêncio,
o Carnaval segue como se nada tivesse acontecido.

Não porque o povo esqueceu.
Mas porque o sistema quer que o povo esqueça.

E se a gente levanta os olhos pro camarote, o cenário é claro:
Quem se diz governo e quem se diz oposição,
juntos.
Brindando.
Taça na mão, flash na cara.
Rindo da mesma piada, fechando o mesmo acordo, acima da poça de sangue que ainda nem secou na história da cidade maravilhosa.  

Nas redes sociais, eles fingem rivalidade.
Na avenida, dividem mesa.

A cidade sangra, mas o pacto é servido no champagne.
A miséria do lado de fora, o luxo do lado de dentro.
E o povo?
O povo continua sobrevivendo, sozinho.

Eu não vou fingir que não vejo. 
No Rio de Janeiro, sobreviver virou ato heroico. 
E herói nenhum deveria ser deixado sozinho. 


Texto: Luana Gouvêia (ativista, fundadora do Simplifica Down, mãe atípica, mulher guerreira e exemplar)