domingo, 30 de novembro de 2025

'GEN. HELENO “ADOECE” NO CALENDÁRIO E BOLSONARO SOLUÇA NA PF ENQUANTO AS COINCIDÊNCIAS COINCIDEM' por João Guató


 OPINIÃO:
Dizem lá na beira do Rio Cuiabá que quando o porco aparece no alto do jatobazeiro, ou foi enchente brava… ou foi mão de gente. E eu, que não sou besta nem recém-chegado na lida da política brasileira, fiquei matutando essa imagem depois de ler — com a calma de quem guarda o pequi pra última garfada — as novidades do general Augusto Heleno, o eterno “frotista” de estimação dos porões da saudade autoritária.

Pois vejam: três dias depois de ele fazer check-in num Airbnb do Exército — aquele condomínio fechado onde os camaradas se tratam como se fossem do mesmo clube de boliche — o procurador-geral Paulo Gonet resolveu acender vela pra santo e incenso pra divindade. Atendeu à defesa do general e pediu prisão domiciliar humanitária, porque, segundo laudos médicos, Heleno tá com Alzheimer. Não um Alzheimer qualquer: um Alzheimer de calendário, desses que brotam exatamente quando aperta o cerco da Justiça.

Lembrei de meu pai, velho sábio pantaneiro, dizendo enquanto cutucava o fogão a lenha: “menino, coincidência demais vira pista.” Pois não é que o quadro psiquiátrico do general começou a ser “documentado” só depois que ele foi indiciado pela PF, lá por novembro? E não é que o diagnóstico ficou pronto às vésperas da denúncia oferecida justamente por quem hoje defende seu recolhimento ao lar? E não é que a tal “demência mista” só foi revelada no ato contínuo à prisão, nesta semana?

Coincidência pouca é bobagem. Dias Gomes e Ferreira Gullar já tinham sacado o truque lá em 1968, em plena ronda do AI-5:

E enquanto essas coincidências / iam assim coincidindo…

É quase como se o Brasil tivesse um curso técnico permanente em “como se depõe um presidente” — e a turma anda sempre com o diploma fresquinho.

E para completar o enredo, ontem à noite Bolsonaro, lá da carceragem da PF, teve outra crise de soluço. Eu fico pensando: é o fantasma do golpe que agarra no diafragma? É o karma entalado na goela? Ou é só arrependimento não assumido, aquele que a gente sente quando faz bobagem grande e tenta culpar a carne de panela?

Enquanto isso, os outros golpistas — delegado, generais, oficiais de alta patente — seguem bem acomodados no xadrez. Mas basta alguém gritar “hipertensão!” e é capaz de abrir-se uma procissão de medidores de pressão, cadeiras de rodas e atestados súbitos. No Brasil, cadeia para elite militar é quase spa com monitoramento: basta uma dorzinha de consciência para virar dor no peito.

E aqui, desse canto quente do Centro-Oeste, eu observo tudo com a serenidade de quem já viu o rio subir rápido demais: quando os poderosos começam a adoecer subitamente, não é o corpo que pede socorro — é a narrativa. A doença vira bengala, o prontuário vira escudo, o Exército vira consultório sentimental.

Mas como diria tia Teodolina lá do Porto, enquanto sacode o leque pra espantar o calor:

Meu filho, doença que só aparece no dia da bronca não é doença — é desculpa com CRM.”

E assim seguimos, brasileiras e brasileiros, assistindo a comédia dramática das Forças Desarmadas moralmente, onde cada ameaça de cadeia produz uma síncope, cada laudo médico é uma cortina de fumaça e cada coincidência… coincide demais.

Porque, no fim, como sempre: se gritar “hipertensão”, não fica um, meu irmão.

João Guató é jornalista do Pasquim Cuiabano