Procuradores articulam entrar com ação direta de inconstitucionalidade no STF
A medida provisória (MP) que ampliou os poderes do Banco Central e criou o acordo de leniência com os bancos causou um grande desconforto no Ministério Público Federal (MPF). Com medo de perder a autoridade, os procuradores de várias investigações que serão afetadas por uma possível delação dos ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega articulam entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a matéria. Para se antecipar a qualquer questionamento, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, o BC começou uma interlocução com a Procuradoria-Geral da República (PGR) para esclarecer que não há poda alguma nas atribuições dos investigadores
Já foram marcadas reuniões para que um dos diretores explique aos procuradores que a MP 784 trata apenas de questões administrativas, não de apurações de crimes. Afinal, a Constituição veta que o processo penal seja alterado por meio de MPs. Em meio a um conjunto de dúvidas e rumores, o texto da nova lei já recebeu mais de 70 emendas no início da tramitação no Congresso Nacional.
Para procuradores ouvidos pelo GLOBO, a medida poderia impedir o MPF de apurar crimes identificados pelo BC. Isso por permitir que, em alguns casos de risco generalizado para o sistema financeiro, a apuração seja sigilosa.
— Queremos questionar a medida no Supremo Tribunal Federal. Pelo texto, que é sucinto, ficamos impedido de atuar — falou uma fonte, sob condição de anonimado. — É um absurdo essa MP.
Agora, a missão do BC é mostrar que não haverá interferência nas atribuições do Ministério Público. A avaliação é que essa tarefa fica mais difícil por causa do conturbado momento político do país. Com tantas tentativas de restringir as investigações em curso no Brasil, a medida poderia ser encarada como mais um entrave.
Na esteira dos receios do MPF, está o porquê de uma mudança tão grande como essa ser feita por meio de MP. A argumentação do BC é que o tempo era muito curto para mostrar no mês que vem, à missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, que o país já tem um novo marco legal punitivo do sistema financeiro, tendo cumprido, assim, um acordo internacional firmado em 2010. O objetivo da autoridade monetária é ter uma boa avaliação para melhorar a classificação de risco (rating) do país, que afundou nos últimos anos em decorrência das crises fiscal e política.
Essa é apenas uma das justificativas que será dada pela autarquia. Para tentar convencer os procuradores, o BC ainda falará que, por ser uma MP, a nova regra não interfere em processo penal e, consequentemente, não interferirá no trabalho dos procuradores. Caso contrário, isso seria uma inconstitucionalidade flagrante.
Caberá ao BC detalhar ainda que não haverá prejuízo às investigações e que a medida apenas ampliou o poder da autarquia para investigar, além de endurecer as penalidades para as instituições financeiras. E ressaltar que todos os crimes encontrados nos processos continuarão a ser comunicados ao MPF e Polícia Federal, como prevê a lei complementar 105/2001.
Procurado pelo GLOBO, o BC confirmou que já abriu um canal de comunicação com a PGR. Em nota, afirmou que o novo marco legal não interfere com a competência do Ministério Público e que a atuação investigativa e persecutória deste no âmbito criminal está “integralmente preservada”.
“A medida provisória 784 cuida apenas de irregularidades administrativas de instituições financeiras reguladas pelo BC, nada versando sobre ilícitos penais, exatamente porque a Constituição não permite que medidas provisórias tratem de matéria penal. De todo modo, já estamos em tratativas com o Ministério Público para conversar a respeito do teor da MP.”
O BC esclareceu que acordos de leniência com efeitos penais continuarão a cargo do MPF. Ou seja, crimes como corrupção e lavagem de dinheiro continuariam na alçada dos procuradores.
Nos bastidores, o governo já sabe que terá trabalho para negociar exceções. Em alguns casos de risco sistêmico, o BC poderá, excepcionalmente, manter o termo de compromisso e os acordos de leniência firmados com as instituições sob sigilo. Os técnicos da autoridade monetária terão de convencer o relator sobre os perigos de uma turbulência generalizada no mercado financeiro que poderia ser causada pela publicação precoce das investigações.
O BC deve aceitar, entretanto, um dispositivo legal que inclua o compartilhamento automático de informações, não apenas com o MPF, mas com a Receita Federal. Um mecanismo como esse não poderia estar no texto original da MP porque seria considerado uma mudança no processo penal, mas o Congresso pode fazer a alteração.
RELATOR SERÁ ESCOLHIDO SEMANA QUE VEM
Esse tema foi o centro de uma das emendas ao texto. O autor da proposta é o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Ele quer que os dois órgãos recebam as informações tanto do termo de compromisso como dos acordos de leniência com os bancos. A avaliação do parlamentar é a mesma dos procuradores incomodados com a nova lei:
— É como se nós déssemos ao BC uma condição excepcionalíssima de sigilo. Quem tem a prerrogativa da ação penal é o Ministério Público. Não podemos admitir que o MP não seja informado, e a minha emenda corrige isso.