Parlamentares e especialistas apontam que proposta deve ser facilmente aprovada na nova legislatura se for apresentada
A ex-senadora Marina Silva, candidata derrotada à Presidência pelo PSB, apareceu na última sexta-feira (17) pela primeira vez ao lado do candidato Aécio Neves (PSDB) após anunciar o apoio ao tucano no segundo turno. A aliança foi costurada após uma série de exigências de Marina, que queria ver incluído no programa de governo do tucano temas que ela considerava fundamentais, como a aceleração da reforma agrária, o compromisso de implantar escolas públicas de tempo integral e uma política progressista em relação ao clima e à sustentabilidade. Uma das exigências, porém, não foi atendida: voltar atrás na proposta de propor a redução da maioridade penal nos casos dos crimes hediondos.
Durante as discussões sobre o apoio da ex-candidata, Aécio disse em entrevista coletiva que não “podemos abdicar daquilo que acreditamos que seja essencial para o País”. Marina passou por cima da negativa tucana ao apoiar o ex-adversário.
Um Projeto de Emenda Constitucional (PEC 33/2012) de autoria do senador tucano Aloysio Nunes, vice na chapa de Aécio, tramita no Senado Federal e prevê que adolescentes entre 16 e 18 anos autores de crimes considerados hediondos, como homicídios, latrocínios e sequestro, sejam punidos como adultos.
Segundo Antônio Queiroz de Queiroz, analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o texto deve ter facilidade para ser aprovado na próxima legislatura, independente de quem for eleito como presidente do País.
“Teremos um Congresso com parlamentares ligados com a área de segurança, policiais e ex-policiais, chamados linha dura, apresentadores de programa de televisão, que vem respaldo popular da lógica de que ‘bandido bom é bom morto’. Não tenho dúvida de que será mais fácil para aprovar”, argumenta Queiroz, que cita também o aumento na bancada evangélica como motivo facilitador da aprovação da PEC.
Tramitação
Apesar de ter sido rejeitado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde foi considerada inconstitucional, Nunes conseguiu a assinatura de 27 senadores para aprovação de um requerimento que permite que o texto projeto entrasse em discussão no Plenário, apesar da decisão da comissão. Se não houver alterações durante as discussões, ele poderá ser votado e, se aprovado por 49 senadores (3/5 da Casa), é encaminhado para a Câmara, onde precisa da aprovação de 308 deputados (de um total de 513).
O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-SP), que é contra o projeto, vê o esforço dos senadores da oposição como sinal de que o texto pode ser discutido ainda neste ano, logo após a definição das eleições.
“Há uma previsão de que ela seja votada entre o dia 26 de outubro e o final do ano. Eu acho que hoje existe um apelo maior para a aprovação mesmo após a votação desfavorável na CCJ. Em junho do ano passado, eu disse que o Brasil vivia em uma antessala da onda conservadora. Essa onda chegou”, acrescenta Rodrigues, se referindo a eleição de congressistas mais conservadores.
O senador tucano Álvaro Dias (PR), reeleito nesta eleição, diz que, caso Aécio Neves seja eleito, o projeto terá maior facilidade para ser aprovado de atualmente, já que o governo Dilma Rousseff (PT) é contra a redução da maioridade penal.
“É um tema polêmico. O governo é contra, mas com a maioria da população favorável. Com a vitória do Aécio, a perspectiva é que ele seja aprovado. Neste momento, só o peso do governo impede. Por enquanto, o governo está ganhando essa queda de braço.”
De forte apelo popular, o tema da redução da maioridade penal tem a aprovação de 93% dos paulistanos, segundo levantamento Datafolha de abril do ano passado. A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) também encomendou à MDA pesquisa semelhante e o resultado não foi diferente. Segundo o levantamento divulgado dois meses depois, 92,7% dos brasileiros eram a favor da mudança na legislação.
Para Dias, maiores de 16 anos têm noção do que fazem e devem ser responsabilizados. “Há uma experiência internacional que favorece a redução. Aqui no Brasil, o argumento forte é de que os criminosos de alta periculosidade usam menores como laranjas. Isso vai inibir que esses menores sejam usados pelo crime. Os governistas argumentam que o sistema prisional não é adequado. Mas essa é uma responsabilidade do Estado. O crescimento da marginalidade nessa faixa etária mostra que é necessária a redução”, disse. O senador afirmou ainda que o presidenciável tucano já tem o compromisso de aumentar o número de vagas no sistema prisional.
Outros países
De acordo com dados da do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a maior parte dos países mantém a imputabilidade penal de adolescentes aos 18 anos. Isso não significa, porém, que jovens não sejam responsáveis pelos seus atos e punidos. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca) regula e dá as diretrizes para as punições.
Atualmente, adolescentes maiores de 12 anos já são responsabilizados pelos seus atos e cumprem medidas sócio-educativas em regimes fechados. A lei não permite privação de liberdade por mais de três anos.
Em uma lista de 23 países, 18 consideram que os adolescentes só poderão ser responsabilizados penalmente por seus atos a partir dos 18 anos. Na Argentina, por exemplo, apenas adolescentes com mais de 16 anos podem ser responsabilizados e só podem ser julgados como adultos aos 18. Lá, no entanto, não há limites para que o adolescente fique preso.
Na Colômbia, adolescentes a partir de 14 anos podem ser responsabilizados. A privação de liberdade, no entanto, só é permitida a partir dos 16, exceto nos casos de homicídio doloso, sequestro e extorsão.
Os adolescentes espanhóis ficam no máximo dois anos presos. Eles podem ser responsabilizados a partir dos 12, mas só são julgados como adultos entre os 18 e 21 anos, dependendo do decisão do juiz.
Nos Estados Unidos, as crianças já podem ser julgadas como adultas a partir dos 10, dependendo do estado. Em alguns deles, há aplicação de penas de morte e prisões perpétuas.
Para Fabiana Gorenstein, oficial de proteção da criança do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a aprovação da medida desrespeita a Convenção Sobre os Direitos da Criança, documento que o Brasil assinou há 25 anos e foi o precursor do Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA), aprovado no ano seguinte.
“Não temos nenhuma evidência que isso seja capaz de conter a onda de violência. O Congresso está olhando essa faixa etária como autores de violência quando na verdade é a maior vítima da violência”. Segundo ela, no Brasil são assassinados 11 mil adolescentes por ano, número que coloca o país na segunda colocação desse ranking atrás apenas da Nigéria, onde morrem 13 mil menores por ano.
Outro argumento contra a aprovação é o número de crimes hediondos cometidos por adolescentes. No ano passado, 22.077 adolescentes cumpriam medida sócio-educativa, segundo relatório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Deste total, a maior parte estava detida por roubos (38,1%) e tráfico de drogas (26,6%). Crimes como homicídio respondiam por 8,4% das detenções, latrocínio por 1,9%, estupros por 1,09% e sequestro e cárcere privado por 0,2%.
*Colaborou Vitor Sorano