Enio Mainardi é escritor e publicitário |
Vi certa vez uma cena, na tv, que me impressionou muito. Num bairro qualquer de São Paulo, invadido por uma enchente, a água servida desbordava da rua, indo pelas calçadas e entrando na soleira das portas. Uma senhora, vassoura em punho, varria e varria a água incessante, empurrando para a sarjeta as torrentes que vinham em turbilhão.
Pensei: que inutilidade!
Segui olhando e aos poucos compreendi o que aquela mulher fazia. Ela lutava contra a enchente, não importa de que tamanho fosse e com que intensidade jorrasse. Aquela senhora cumpria a sua obrigação pessoal, no limite de suas forças. Uma lição que nunca esquecerei. Cada um tem que fazer a sua parte e a cumulação de todas pequenas partes vai somar num grande resultado.
Outra vez, agora, vendo um trecho do desfile das escolas de samba no Rio, pelo face, tive o mesmo sentimento de inutilidade daquela época. Um carro alegórico mostrava homens e mulheres numa suruba. Os gays abriam suas bundas, rebolando, se abaixando para mostrar o cu. Mulher chupando mulher, no exibicionismo de machos e fêmeas que colocavam sua sexualidade à mostra, depravadamente, numa orgia ensaiada, cada um querendo superar o outro na simulação do sexo pelo sexo.
Estou chocado.
Se eu dissesse “nunca vi isso antes” estaria mentindo. Vi, privadamente. Mas aqui esse carro alegórico era um outdoor que vendia publicamente uma certa maneira de levar a vida, com seus valores tortos. "Sejam como nós, chupem-se, fodam-se uns aos outros em altas sacanagens, que tudo é permitido. O Rio é um grande puteiro!"
Outra vez o anúncio reiterado de que mulher brasileira só pensa “naquilo”. Essa campanha de propaganda, uma apologia à prostituição, está funcionando e projeta sua imagem por todo o mundo. Os estrangeiros vêem as brasileiras como umas gostosas sempre à busca de programa. E especialmente estrangeiros vem para cá no carnaval, dólares no bolso, para usufruir a nossa República do Cu.
Pobres crianças pobres atraídas por caçadores pedófilos.
A porcaria social prossegue, se esbaldando nos degraus superiores da corrupção deslavada dos políticos, sem controle, sem justiça, sem pudor. O Brasil está apodrecendo, a doença da indiferença progride, nós sem poder reagir. Hesito em pedir intervenção militar, queria que uma nova revolução de costumes morais e políticos pudesse soerguer o Brasil, acontecendo através do voto, da democracia. Mas o carnaval do Rio com sua luxúria de escandalos vulgares, a Beija Flor patrocinada por um sanguinário ditador africano, esgotou, quase, minhas esperanças.
Outra vez sou espectador, vendo a mulher empurrando o lixo solitariamente com sua emblemática vassoura.