segunda-feira, 15 de maio de 2023

ZOLA XAVIER LANÇA LIVRO DIA 19 NA TABERNA DA GLÓRIA ONDE CITA O CPC (Centro Popular de Cultura)




No próximo dia 19 de maio a AQUARIUS PRODUÇÕES CULTURAIS fará o lançamento no Rio de Janeiro (capital) do livro "UMA FRENTE POPULAR NO OESTE DO BRASIL", de autoria do jornalista rondoniense Zola Xavier da Silveira, há anos radicado em Maricá. Esta obra é um registro inédito de um momento político vivenciado em Rondônia, na época do antigo Território Federal do Guaporé. O evento será em um dos icônicos centro de cultura e gastronomia carioca, a tradicionalíssima TABERNA DA GLÓRIA, localizada na Rua do Russel, 32 no bairro da Glória.

Com depoimentos e registros fotográficos únicos, o livro traz relatos das disputas políticas das oligarquias dominantes que se instalou na região a partir de 1932 e a FRENTE POPULAR, até o golpe militar de 1964. Em um dos capítulos, Zola faz a grave denúncia da ocupação do Palácio Rio Madeira, então sede da URES (União Rondoniense de Estudantes Secundaristas) pelo exército, perpetuada até os dias atuais. Cita também, o núcleo do CPC (Centro Popular de Cultura) que funcionava no local.

"É um trabalho impecável de memória histórica e lembrança política", afirma  o renomado historiador Ivan Alves Filho (foto abaixo), licenciado pela Universidade de Paris (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.


"Foram pessoas que, com seu desprendimento e generosidade, ajudaram a fertilizar o solo do nosso país", pontua Ivan Alves.

Zola também cita no livro, uma possível estadia de Ernesto Che Guevara em Porto Velho, pouco tempo antes do revolucionário encontrar sua morte na Bolívia em 1967.

Pesquisa

De acordo com Zola Xavier, a obra contém uma reunião de 13 textos, com personagens e temas contextualizados no período da criação do Território Federal do Guaporé até o final da década de 70, construídos a partir de pesquisas em jornais encontrados nos acervos da Biblioteca Nacional e nos arquivos da ABI - Associação Brasileira de Imprensa, ambas na cidade do Rio de Janeiro.

O centro de documentação do estado de Rondônia, também serviu de base para o trabalho de pesquisa do autor, assim como diversas entrevistas inéditas e exclusivas realizadas em janeiro de 2008 na cidade de Porto Velho pelo jornalista e autor da obra.

Fotos

Zola também destaca que o livro apresenta fotos inéditas, muitas delas cedidas pelos familiares e amigos dos entrevistados, em um verdadeiro garimpo que enriqueceu sobremaneira o trabalho.


Palacete Rio Madeira

A partir da página 138 do livro, o jornalista Zola Xavier trata do Palacete Rio Madeira localizado na rua Dom Pedro II, esquina com a rua Euclides da Cunha, na região central de Porto Velho, capital de Rondônia, que originariamente fora destinado a residência dos governadores do Território Federal do Guaporé, mas que também por um longo tempo, serviu de escritório e residência do coronel Aluízio Pinheiro Ferreira, local de diversas reuniões políticas, onde foi inclusive lançada a candidatura do coronel Aluizio para as eleições de 03 de outubro de 1950, com forte apoio do movimento estudantil.

Aluizio sagrou-se vencedor  por uma pequena margem de votos, numa disputa marcada por denúncias de fraudes.

No ano seguinte, é formada a União dos Estudantes Secundários do Guaporé - UESG, cuja primeira bandeira de luta que aglutinou os estudantes guaporenses foi a criação de uma biblioteca e a busca de intercâmbio cultural com outras entidades estudantis do Brasil.

Em 1962, o movimento estudantil estava em grande ascensão, já se utilizando de sua nova sigla e nomenclatura, em razão da mudança do nome do Território do Guaporé para Rondônia. A então UESG, passaria a se chamar URES - União Rondoniense de Estudantes Secundaristas.

O jornal Alto Madeira, na sua edição de 09 julho de 1963 informou que fora DOADO A URES O PALACETE RIO MADEIRA: "... A solenidade contou com a presença do mundo oficial tendo à frente o governador Ary Marcos da Silva e o deputado Renato Medeiros, tendo sua excelência feito a entrega à diretoria da URES do citado imóvel, proporcionando assim uma sede condigna aos estudantes secundários de Rondônia. ..."

A nova sede da entidade estudantil, agora funcionando na parte superior do Palacete (antes funcionava no porão gentilmente cedida pelo governador desde 1962), passou a fervilhar de jovens com diversas atividades proporcionadas pelo núcleo do CPC - Centro de Cultura Popular, organismo vinculado a UNE - União Nacional dos Estudantes (veja box abaixo).

Foram diversas as atividades estudantis e culturais exercidas pela URES e pelo núcleo do CPC no Palacete Rio Madeira, mas o sonho acabaria com o golpe militar de 1964, onde além das diversas prisões, da cassação do mandato do deputado federal Renato Medeiros, da destituição do prefeito em exercício de Porto Velho, Carmênio Cardoso, os estudantes foram desalojados de sua sede e, desde então, os militares ocupam o histórico Palacete Rio Madeira.

Segundo o autor, até há pouco tempo ainda se podia ler o seu nome talhado em uma enorme placa de madeira, fincada em seu jardim; hoje ela não existe mais.

"O Palacete passou a ser um imóvel anônimo para a história de Rondônia, uma violência perpetrada pela ditadura militar, aos olhos de todos, que perdura até os dias atuais.

Que seja restabelecida a verdade história: O Palacete Rio Madeira pertence aos estudantes de Rondônia" concluiu Zola.

CPC - Centro de Cultura Popular

 O Centro Popular de Cultura - CPC é criado em 1961, no Rio de Janeiro, ligado à União Nacional de Estudantes - UNE, e reuniu artistas de distintas procedências: teatro, música, cinema, literatura, artes plásticas etc. O eixo do projeto do CPC se definiu pela tentativa de construção de uma "cultura nacional, popular e democrática", por meio da conscientização das classes populares. A ideia norteadora do projeto dizia respeito à noção de "arte popular revolucionária", concebida como instrumento privilegiado da revolução social. A defesa do caráter coletivo e didático da obra de arte, e do papel engajado e militante do artista, impulsiona uma série de iniciativas: a encenação de peças de teatro em portas de fábricas, favelas e sindicatos; a publicação de cadernos de poesia vendidos a preços populares; a realização pioneira de filmes auto-financiados. O engajamento cepecista encontra-se sistematizado no Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura, de autoria do sociólogo Carlos Estevam Martins, primeiro diretor do CPC. O documento postula o engajamento do artista frente ao quadro político e cultural do país no período e faz o diagnóstico da impossibilidade de uma arte popular fora da política. 

Leitura do manifesto de criação do CPC

De acordo com o Anteprojeto, a arte do povo é "de ingênua consciência", "desprovida de qualidade artística e de pretensões culturais", não tem outra função, senão "a de satisfazer necessidades lúdicas e de ornamento". Ao definir a arte como um dos instrumentos para a tomada do poder e o artista como aquele que assume um compromisso, ao lado do povo, o CPC defendia um "laborioso esforço de adestramento à sintaxe das massas", mas de modo a tirá-las de seu lugar de alienação e submissão.

Criação

A criação do CPC tem lugar no governo de João Goulart, em um contexto de forte mobilização política, com a expansão das organizações de trabalhadores, no campo e nas cidades. As classes médias - sobretudo intelectuais e estudantes - estão presentes nos partidos políticos (o Partido Comunista Brasileiro - PCB ocupa lugar de destaque no quadro cultural da época e atrai formadores de opinião, como jornalistas, artistas e profissionais liberais em geral) e em entidades como a própria UNE. 

A militância política e o engajamento cultural andavam de mãos dadas: os temas do debate político ecoavam diretamente nas produções artístico-culturais. Essa situação difere da "utopia desenvolvimentista" dos anos 1950, que estimula o diálogo cerrado das vanguardas artísticas - do concretismo, por exemplo - com a técnica, com a indústria e com o mercado. 

Segundo Carlos Estevam Martins, a ideia do CPC tem origem no interior do grupo paulistano Teatro de Arena, por ocasião de uma temporada no Rio de Janeiro das peças Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, e Chapetuba F.C., de Oduvaldo Vianna Filho. As insatisfações de alguns integrantes do Arena com o próprio grupo, que, apesar dos esforços, permanecia um "teatro de classe média", levaram à montagem da peça de forte caráter didático A Mais Valia Vai Acabar, seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho e Chico de Assis, com música de Carlos Lyra, encenada no Teatro da Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro, em 1960. 

Oduvaldo Vianna Filho (Vianninha) e Jorge Coutinho

Da concepção da peça foi convidado a participar Carlos Estevam, então sociólogo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB, para que colaborasse com uma "explicação científica e didática da mais-valia", conceito integrante da teoria marxista. O grupo lá reunido organizou, em seguida, um curso de filosofia com José Américo Pessanha, realizado em auditório cedido pela UNE. Os debates ao longo do curso dão forma à ideia do CPC, que se beneficiou de outras experiências, sobretudo a do Movimento de Cultura Popular - MCP, fundado no Recife por Germano Coelho, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Abelardo da Hora, Aloizio Falcão, Paulo Freire, Francisco Brennand e Luís Mendonça. 

O MCP, ligado à Secretaria de Educação do Município, desenvolveu atividades em diversas áreas (mas sobretudo no campo teatral) a partir de um forte programa pedagógico que visava "a elevação do nível cultural do povo".

A influência direta do MCP sobre a concepção do CPC pode ser notada na prevalência do teatro sobre as demais artes, no trabalho coletivo, na defesa do engajamento e da necessidade de conscientização do povo.

Entre dezembro de 1961 e dezembro de 1962, o CPC produz as peças Eles Não Usam Black-Tie e A Vez da Recusa, de Carlos Estevam; o filme Cinco Vezes Favela - que reúne Couro de Gato, de Joaquim Pedro de Andrade, Um Favelado, de Marcos Faria, Escola de Samba e Alegria de Viver, de Cacá Diegues, Zé da Cachorra, de Miguel Borges e Pedreira São Diogo, de Leon Hirszman; a coleção Cadernos do Povo e a série Violão de Rua, das quais participam Moacir Félix, Geir Campos e Ferreira Gullar. 

Promoveu, ainda, cursos de teatro, cinema, artes visuais, filosofia e a UNE-Volante, excursão de três meses pelas capitais do país para contatos com as bases universitárias, operárias e camponesas. 

Posteriormente, o CPC fortaleceu a área de alfabetização de adultos e o setor de arquitetura, que funcionava fundamentalmente para apoio das montagens teatrais. As oficinas de literatura de cordel contavam com a participação de Félix de Athayde e de Ferreira Gullar. 

O projeto do teatro de rua, de Carlos Vereza e João das Neves, assim como o teatro camponês, de Joel Barcelos, teve como objetivo levar a arte diretamente ao povo, pela encenação das peças nos locais de trabalho, moradia e lazer. 

O CPC promoveu ainda feiras de livros acompanhadas de shows de música - para os quais convidavam os "sambistas do morro", Zé Kéti, Nelson Cavaquinho e Cartola - que contaram com a adesão de Vinícius de Moraes e Nara Leão (foto abaixo com Cartola, Nara, Zé Keti e Nelson Cavaquinho).

A coleção Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização Brasileira, editadas por Ênio Silveira, e História Nova, organizada por Nelson Werneck Sodré, sugeriam a intensa colaboração entre os intelectuais do ISEB e do CPC. No campo das artes plásticas, de menor destaque que as demais, colaboram Júlio Vieira, Eurico Abreu, Delson Pitanga e Carlos Scliar.

Embora a experiência do CPC tenha dado frutos em outras regiões do país - em Belo Horizonte, por exemplo, onde atuava o poeta Afonso Romano de Sant'Ana -, o seu locus era o Rio de Janeiro. Depoimentos indicavam que as tentativas de trazer o CPC para São Paulo, por exemplo, fracassam em função da hegemonia do Teatro de Arena na cidade.

O golpe militar de 1964 trouxe consigo o fechamento do CPC, a prisão de artistas e intelectuais, e o exílio político. Mesmo assim, ecos do projeto cepecista reverberaram em iniciativas posteriores, como no célebre show Opinião, em 1964, de Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, que reuniu Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão. O espetáculo possuia certa  afinidade com o CPC, na medida em que defendia ser a arte "tanto mais expressiva" quanto mais tivesse uma "opinião", quanto mais se colocasse como instrumento de divulgação de conteúdos políticos. 

A importância da experiência do CPC na ocasião não deveria  desviar a atenção de outros movimentos e artistas que atuavam na década de 1960, muitas vezes também a partir de um compromisso com a pauta nacional e popular, mas que não aderissem ao projeto do grupo cepecista, por exemplo Glauber Rocha e Hélio Oiticica.

Isto, no entanto, não significou afirmar a falta de conexão entre seus trabalhos e o de integrantes do CPC. Oiticica, por exemplo, projetou a obra Cães de Caça, que contém o Poema Enterrado, de Ferreira Gullar.