domingo, 28 de abril de 2019

Intervenção na publicidade de estatais 'não tem validade', diz Santos Cruz

Governo volta atrás e reconhece que ação do presidente Jair Bolsonaro feriu a Lei de Estatais; ministro da Secretaria de Governo diz que caberá ao Banco do Brasil decidir se volta a exibir comercial

O ministro da Secretaria de Governo da Presidência, Carlos Alberto dos Santos Cruz 02/01/2019
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

O ministro da Secretaria de Governo da Presidência, Carlos Alberto dos Santos Cruz disse ao GLOBO nesta sexta-feira, que a decisão da Secretaria de Comunicação do Planalto de interferir na publicidade de estatais “não tem validade”, porque fere normas do próprio governo.

– Não observou estritamente o que diz na legislação, não tem validade.

Questionado se a propaganda retirada do ar pelo Banco do Brasil poderia voltar a ser veiculada, o ministro deixou a questão a cargo do presidente do banco estatal.


– Se vai ou não, é problema do presidente do Banco do Brasil.

Na quarta-feira, como revelou a TV Globo, o Palácio do Planalto disparou um comunicado a estatais dizendo que, "em atendimento à decisão estratégica de maximizar o alinhamento de toda ação de publicidade do poder Executivo federal”, o conteúdo de todas as ações publicitárias, “inclusive de natureza mercadológica” deverá ser submetido para “conformidade prévia” da Secom, diz o texto assinado pelo secretário de Publicidade e Promoção da secretaria, Glen Lopes Valente.

No início da noite desta sexta-feira, porém, a Secretaria de Governo divulgou um novo comunicado afirmando que a determinação contida no e-email não havia respeitado a Lei de Estatais.

"A Secom, ao emitir o e-mail veiculado, não observou a Lei das Estatais, pois não cabe à Administração Direta intervir no conteúdo da publicidade estritamente mercadológica das empresas estatais", disse o ministério.

Após a divulgação dessa nota, a Secom distribuiu um comunicado confirmando o erro ao eviar o e-mail às estatais.


Ao GLOBO, o ministro Santos Cruz revelou ter cobrado informações do funcionÁrio da Secom responsável pelo comunicado às estatais. O e-mail foi assinado pelo publicitário Glen Valente, que assumiu nesta semana o cargo de secretário de Publicidade e Promoção da Secom.

Segundo Santos Cruz, depois de Glen ter ido ao seu gabinete para explicar o e-mail, é que foi concluído pelo governo que a interferência na publicidade das estatais "não tem validade".

Editada justamente para evitar a interferência do Planalto nas ações mercadológicas das instituições, a Instrução Normativa 2 foi publicada em 20 de abril de 2018, no governo do ex-presidente Michel Temer. O texto “disciplina a publicidade dos órgãos e entidades do poder Executivo federal e dá orientações complementares” sobre como a própria Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) atuará em relação ao tema. 
O artigo 19 da instrução afirma que “não serão analisados pela Secom “o conteúdo das ações” patrocinadas por estatais quando forem “de Publicidade Mercadológica não vinculada a políticas públicas do Poder Executivo federal”.

Segundo Santos Cruz, a instrução normativa vai ser atualizada pelo governo, "se a lei permitir", o que poderá legitimar legalmente a interferência do palácio na publicidade mercadológica das estatais.


– Isso aí tem que ser estudado. Para você dizer que vai atualizar, você tem que ver a lei que rege aquela norma, porque toda norma ela normatiza normalmente uma lei. Então essas coisas não são assim não, têm que ser com calma. Tem um encadeamento legal – afirmou o ministro.

Ao GLOBO, um ex-secretário de Comunicação afirmou que a intervenção do Planalto nas ações mercadológicas das estatais poderia ter efeitos desastrosos para a saúde dessas empresas.

– O governo tem interesses diferentes dos interesses do mercado. É justamente por isso que a norma impede que a Secom interfira nas estratégias mercadológicas das estatais. Essa interferência coloca em risco estratégias de mercado de cada empresa, como vazamentos de projetos e planos de comunicação – disse o ex-secretário.


Antes da decisão do Planalto de voltar atrás na interferência, a Caixa Econômica Federal informou ao GLOBO ter recebido da Secom do Planalto uma mensagem informando que a norma que veta a interferência nas campanhas mercadológicas "será objeto de atualização".