quinta-feira, 25 de abril de 2019

Brasil tem indicadores de saneamento básico piores que Bolívia, Peru e outros 103 países

Relatório mostra que país continua investindo menos do que o necessário para cumprir meta de universalização, em 2033

Pedro Capetti* - O GLOBO


Lagoa de Jacaroá, em Maricá, no estado do Rio: a cidade é uma das que mais sofre com baixo
índice de saneamento Foto: Agência O Globo

Os indicadores de saneamento básico do Brasil estão bem distantes do ideal. Dados do Panorama da Participação Privada no Saneamento 2019, produzido pela Abcon e Sindicon (Associação e Sindicato das Concessionárias Privadas de Saneamento Básico), com base em relatórios internacionais, apontam que o desempenho brasileiro é pior que o verificado em 105 países, como Chile, México e Peru.

O resultado dos baixos investimentos são 100 milhões de brasileiros sem acesso à rede de esgoto e 35 milhões sem acesso à água potável, em 2016. A Região Norte é a que apresenta os menores índices, com 14%, enquanto no Centro-Oeste, 50,22% do esgoto são tratados. No Rio de Janeiro, 50,8% da população conta com coleta de esgoto, sendo que apenas 33,64% são tratados antes do lançamento nas águas.

O relatório mostra que o país está distante da meta do Plano Nacional de Saneamento (Plansab) de universalizar os serviços em 2033. Para que a meta seja cumprida, seriam necessários cerca de R$ 20 bilhões de investimentos por ano, patamar nunca atingido no país.

Em 2016, por exemplo, foram investidos R$ 11,33 bilhões em saneamento, ou seja, 0,18% do PIB nacional. No ano seguinte caiu para R$ 10,05 bilhões. A meta do Plansab para o setor é de 0,33% do PIB por ano. Para efeitos de comparação, os investimentos realizados nos últimos anos correspondem a cerca de 0,21% do PIB, metade do necessário segundo relatório do Banco Mundial, publicado em 2018. 


Outro ponto crítico do documento é sobre a qualidade e eficiência do investimento aplicado no país. Em 2016, as perdas financeiras com a distribuição da água potável representaram R$ 10,5 bilhões, enquanto todo o setor de saneamento básico investiu R$ 11,5 bilhões no mesmo ano — 92% de todo o valor investido pelo setor de saneamento básico no mesmo ano.

Na avaliação do diretor da Abcon, Percy Soares Neto, o problema brasileiro está na falta de capacidade de investimento do setor público para universalizar os serviços básicos de saneamento, feito em países como Chile e México. Além disso, ele aponta para as barreiras regulatórias que impedem o avanço da iniciativa privada no setor, considerado um dos setores mais atrasados da infraestrutura.


— No investimento público, a curva é decrescente. Investimos cada vez menos, pois o déficit é grande. Isso acaba refletindo na vida das pessoas. A falta de saneamento causa morte, doenças. As companhias estaduais já estão com capacidade limitada. A crise fiscal dos estados e municípios é grande, não tem aporte de recursos públicos para isso. Hoje esse dinheiro terá que vir de algum lugar. A questão é o modelo que nós queremos — afirma.

As lagoas da Barra da Tijuca recebem rejeitos que não são submetidos a tratamento:
45% do volume de esgoto produzido no país não são tratados
Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo/18-05-2018
Segundo Percy, a aprovação da Medida Provisória  868, que trata sobre o marco regulatório do setor de saneamento básico, pode facilitar o investimento privado.Atualmente, o documento tramita em uma comissão especial do Senado. Pela proposta, todos os contratos vencidos terão de passar por novo processo de licitação. A mudança abriria o mercado para a iniciativa privada disputar espaço nos municípios, o que desagrada as estatais nos estados.

— Se olharmos o setor de telecomunicações, de energia, de aeroportos, todos esses setores tiveram alterações no marco regulatório que facilitaram o movimento de ciclo de investimento. Temos um ambiente favorável à negociação, uma certa convergência sobre a gravidade do problema — defende.

Na legislação atual, os contratos de concessão do serviço podem ser renovados automaticamente, sem uma nova licitação. Isso fez com que a participação privada no setor crescesse lentamente nos últimos dez anos —  de 3,89% para 5,83% das cidades  brasileiras. Hoje, apenas 325 municípios com algum atendimento privado num total de 5.570 municípios. O investimento nesses municípios corresponde a 20% do aplicado no setor.

— Estamos enxugando gelo. Tem uma questão fundamental do aumento do volume de investimento e eficiência. Não adianta despejar recursos, tenho que ter um setor que gaste com eficiente, que use melhores resultado. Esse é o desafio, não é trivial — analisa.


Segundo o IBGE, 1.933 municípios (34,7% do total) registraram ocorrência de epidemias ou endemias provocadas pela falta de saneamento básico em 2017, considerando endêmica uma doença que existe, constantemente, em determinado lugar, independentemente do número de indivíduos por ela atacados.

De acordo com a projeção da Abcon, considerando o crescimento gradual do saneamento, até 2036 o valor da economia possível com gastos com a saúde — seja pelos afastamentos do trabalho ou pelas despesas com internação no Sistema Único de Saúde (SUS) — pode chegar a R$ 5,9 bilhões.

Rio Mumbuca, que corta o centro de Maricá - Foto: Pery Salgado - Barão de Inohan