terça-feira, 23 de julho de 2019

PGR diz a Toffoli que decisão sobre Coaf pode impactar Lava-Jato e outras investigações

Raquel Dodge apresentou recurso contra despacho do presidente do STF que paralisou inquéritos por todo o país


A Procuradoria-Geral da República ( PGR ) apresentou um recurso nesta terça-feira contra a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli , que suspendeu todas as investigações baseadas em relatórios financeiros do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), tomada após um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) no caso Queiroz. No embargo de declaração, a procuradora-geral Raquel Dodge afirma que a decisão de Toffoli não poderia abranger todas investigações no país porque extrapola as condições iniciais do caso, e um juiz não pode ir além do que é solicitado pelas partes.

Dodge solicita que, neste primeiro momento, a decisão de Toffoli fique restrita apenas ao caso de Flávio Bolsonaro, sem atingir todas outras investigações. Caberá agora a Toffoli decidir se modifica algum ponto de sua decisão ou se levará o assunto diretamente ao plenário do STF para discussão do mérito.


Sobre o argumento específico da defesa de Flávio Bolsonaro, de que o Ministério Público não poderia solicitar um relatório do Coaf sobre dez anos de movimentações financeiras, Dodge afirmou que a decisão de Toffoli utilizou uma lei que não trata especificamente desse assunto e não tem fundamentação jurídica adequada. Segundo a PGR, as leis e jurisprudências usadas por Toffoli "dizem respeito a situação completamente diversa". Essa fundamentação usada pelo presidente do STF trata de transferência de dados bancários para órgãos administrativos do governo federal sem autorização judicial.

Dodge argumenta que essa legislação não poderia ser aplicada para o caso de Flávio, porque a transmissão de informações do Coaf ao Ministério Público está disciplinada por uma outra lei, específica sobre lavagem de dinheiro, que não traz impedimentos sobre a solicitação de dados bancários. A PGR pede, então, que Toffoli esclareça as "obscuridades" deste ponto de sua decisão.

"A decisão suspendeu toda e qualquer investigação, inquérito, PIC, ação penal e execução penal em curso no território nacional em que haja informação do COAF, da Receita Federal e do BACEN ao Ministério Público, o que vai muito além do que foi pedido pelo requerente em petição avulsa e pelo Ministério Público no recurso extraordinário", afirmou a PGR.

Fato corriqueiro
A procuradora-geral argumenta que o intercâmbio de informações do Coaf com investigações do Ministério Público é fato corriqueiro no ordenamento jurídico brasileiro e que o Supremo sempre referendou essa utilização. Por isso, Raquel Dodge alerta que o entendimento de Toffoli pode trazer impactos para ações penais e investigações em todo o país. A PGR cita o caso mensalão, que utilizou relatórios do Coaf, a denúncia contra o ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB), do apartamento com R$ 51 milhões, e casos da Lava-Jato como a prisão do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB). Cita ainda a investigação sobre o médium João de Deus e inquéritos relacionados à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).


"Cumpre ressaltar que, em todos os casos acima mencionados, o intercâmbio de informações entre COAF e Ministério Público Federal se deu independentemente de chancela prévia do Supremo Tribunal Federal, sendo que tais RIFs (relatórios de inteligência financeira) não se limitaram a informar dados genéricos dos correntistas ou 'montantes globais mensalmente movimentados', conforme assentado na decisão embargada. Afora os casos que tramitam perante o Supremo Tribunal Federal, há uma infinidade de investigações e ações penais que poderão ser negativamente impactadas por conta do entendimento ora embargado, que perpassam pelas mais diversas espécies delitivas, não restritas a casos de corrupção ou crimes contra a Administração Pública", apontou Dodge.

A procuradora-geral argumenta que o efeito da decisão de Toffoli será contrário à intenção dele.

"O novo método de transmissão de informações instituído pela decisão embargada – que permite apenas o fornecimento de dados genéricos dos correntistas ou 'montantes globais mensalmente movimentados' — acabará compelindo a instauração de apurações contra pessoas sobre as quais não recai qualquer suspeita, fazendo-as constar desnecessariamente como investigadas dentro do sistema judicial criminal. Na contramão dos louváveis fins buscados pela decisão, isso acarretará um inevitável strepitus judicii como efeito colateral do pedido de afastamento do sigilo de pessoas que agiram dentro da legalidade", afirmou.

Para a PGR, além de expandir de forma “indevida” os efeitos do pedido, a decisão do ministro acabou abrangendo situações diferentes que não haviam sido delimitadas no recurso de Flávio Bolsonaro. Segundo a PGR, Toffoli aplicou “dispositivos legais e precedentes do STF” relativos a temas completamente diferentes do pedido feito pela defesa do senador.


No recurso, a PGR diz que o processo que deu origem à decisão de Toffoli tratava apenas do compartilhamento de dados repassados pela Receita Federal a órgãos de investigação, mas que o despacho do presidente do STF acabou suspendendo investigações e processos que tinham utilizado dados do COAF, algo que não estava previsto no início do caso.

Combate à lavagem de dinheiro
No embargo, Raquel Dodge faz uma defesa do sistema de combate à lavagem de dinheiro do Brasil e diz que os limites impostos pela decisão de Toffoli para o compartilhamento de informações entre órgãos de controle e órgãos de investigação não são suficientes para que ele funcione corretamente.

Isso porque Toffoli determinou que os órgãos de controle como Coaf e Receita Federal não poderiam mais fornecer dados financeiros detalhados sobre pessoas investigadas. Toffoli determinou que eles só poderiam compartilhar dados gerais como a titularidade de contas e montantes globais movimentados.


"Para que a finalidade da transferência de dados prevista no art. 15 da Lei9613/98/98 seja alcançada (servir de instrumento de combate à lavagem de dinheiro), o repasse, do COAF ao Ministério Público, apenas de informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados não é suficiente", diz um trecho do embargo.