Com o estacionamento tomado por carros pretos, o restaurante Avenida Paulista, na beira do Lago Paranoá, em Brasília, parecia cheio na noite de ontem, para quem via de fora. Do lado de dentro, porém, o movimento maior era de circulação de seguranças, não de clientes. Seis homens se espalhavam pelo salão, guardando a entrada de uma área reservada do local. Poucas mesas estavam ocupadas. Vestidos de terno escuro, os seguranças miravam um canto próximo à adega, onde descansavam cerca de 1.500 rótulos. Ali, longe de holofotes e fora da agenda oficial, jantavam o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o da Economia, Paulo Guedes, acompanhados de duas assessoras.
Apesar de serem habitués do local, a dupla, que nem sempre vai junta, estava sumida. Há cerca de 20 dias não aparecia por lá. O jejum foi quebrado no dia em que a Polícia Federal oficializou que os alvos da Operação Spoofing, deflagrada na última terça-feira, eram os responsáveis pelos ataques a celulares de autoridades, entre elas Moro e Guedes. A coluna estava em uma mesa próxima e acompanhou uma hora da conversa.
– Coloquei um Twitter para dar uma cutucada – disse Moro se referindo à ação policial que prendeu os supostos hackers.
– Fez muito bem – respondeu Guedes.
Ontem, o ministro da Justiça escreveu mensagens na rede social parabenizando o trabalho da PF. Destacou que os presos, que tinham antecedentes criminais, foram “a fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas por crime”. No jantar, Moro e Guedes reprovaram o tratamento que alguns veículos da imprensa deram às mensagens atribuídas ao ex-juiz e a procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, como Deltan Dallagnol. Já a assessora especial do ministro, Daniella Marques, ponderou para o chefe o lado bom dos ataques: o fato de o ministro ter sido obrigado a mudar seu número.
– Antes, qualquer estagiário da imprensa tinha seu telefone!
Na conversa, Moro saiu em defesa de Deltan Dallagnol. O ministro criticou a reportagem publicada em 14 de julho pelo jornal “Folha de S. Paulo”, em parceria com o The Intercept, sobre um suposto plano montado pelo procurador para "lucrar com a fama da Lava-Jato"\u001D.
– O Deltan pensou em criar uma empresa para diminuir a tributação sobre as palestras e falam que ele queria lucrar com a Lava-Jato? O que que é isso? Absurdo – questionou.
De Bolsonaro 2022 a Rodrigo Maia
A política também foi posta na mesa na noite de ontem. Bolsonaro, Rodrigo Maia, a relação com o Congresso e o “fim da política como era antes” foram assunto dos ministros.
– As pessoas querem saber o que vai ser em 2022. O candidato a 2022 vai ser o presidente (Bolsonaro). Você pode ficar quatro anos no ministério e vai depois para a iniciativa privada – disse Moro, que negou ter pretensões políticas.
Sobre Maia, o ex-juiz, que já sofreu críticas públicas do presidente da Câmara dos Deputados, ouviu os conselhos do colega.
– Se ele pegar o seu projeto e aprovar dizendo que é o do (ministro do Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, ó – disse Guedes, fazendo um sinal de positivo com os polegares. Paulo Guedes se referia ao pacote anticrime apresentado em fevereiro por Moro e que começou a tramitar na Câmara. O ministro disse ainda que Maia “assumiu” a reforma da Previdência como se fosse dele, mas que o importante foi aprová-la. Disse também que “a política não voltará a ser o que era antes”.
O ministro da Justiça é retratado pelos garçons como “simpático” e “simples” no trato, enquanto o da Economia, “mais reservado”. Ambos já têm suas preferências gastronômicas registradas. Paulo Guedes não bebe, vai de guaraná. Moro costuma pedir uma garrafa de vinho, de preferência chileno, e depois “dois chopinhos para arrematar”. Na noite de ontem, contudo, abriu mão da saideira. Também quis variar a nacionalidade das parras: preferiu o australiano Stamp, ao valor de R$ 100. O ministro não costuma investir muito no hábito etílico. Sempre que um garçom oferece um rótulo mais caro, ele nega.
Para comer, o de sempre. Pediram pizza “Marguerita DOC”, a especialidade da casa, a “Calabresa Curitibana” — os mesmos sabores dos tempos que Moro frequentava a filial do restaurante em Curitiba, como juiz da Lava-Jato. Como estavam em quatro pessoas, pediram também uma "Portuguesa".
Cara totalmente 'sem noção'
Moro contou que, após a publicação das mensagens pelo site, foi contatado pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, que ligou para lhe “prestar solidariedade”. Queixou-se, porém, que dias depois, o ex-ministro deu uma entrevista para o site “Uol” o criticando. “Cara totalmente sem noção”.
Jobim declarou em entrevista publicada no dia 8 de julho que as mensagens reveladas pelo “The Intercept” mostram que Moro teve uma conduta inadequada como juiz e que a Lava Jato cometeu abusos.
O bate-papo foi interrompido ao menos três vezes por clientes do local. Uma mulher natural de Assis (SP) foi até a mesa agradecê-los por serem ministros. Um homem desejou sorte e parabenizou o trabalho da dupla. Outro foi até a mesa para pedir uma foto, mas ouviu que ela teria que ficar para depois do jantar. O fã foi embora sem o registro.
Já eram quase 23h quando os cinco carros pretos deixaram o restaurante. Desta vez, a conta ficou para o ministro da Economia. Mas Moro o tranquilizou:
– A próxima pizza é minha.