sábado, 15 de março de 2014

BRASIL ACERTA AO TRATAR DO CONFLITO NA VENEZUELA

Diante de risco real de golpe, Brasil faz bem ao jogar por institucionalidade

Com amparo na prudência e no conhecimento dos seus limites de influência, a presidente Dilma Rousseff e auxiliares estão agindo certo em relação ao conflito entre governo e oposição na Venezuela.
Não tenha dúvida que generais deram um recado para a presidente, dizendo que nossa soberania é intocável, e que cubanos, chineses, russos e até coreanos do norte estão dentro da Venezuela, mas nossas fronteiras estão bem guardadas. O número de militares na região é enorme, embora a grande mídia não divulgue.
Na Folha de S.Paulo, na quinta, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira alertou corretamente para o risco de a política econômica do chavismo levar a um golpe contra o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.
Maduro, que não tem os recursos retóricos e políticos de Hugo Chávez, paga o preço do populismo fiscal e cambial do antecessor. Há razões na economia venezuelana para levar uma parcela da sociedade, mais rica e mais escolarizada, a questionar o atual governo.
Acontece que esse segmento tem um histórico golpista. Uma outra parcela, mais pobre e menos escolarizada, que se beneficiou de políticas públicas que o chavismo implantou no país, defende Maduro.
Nesse contexto, ainda é preciso levar em conta o processo de internacionalização das grandes empresas brasileiras nas duas últimas décadas. Há investimentos significativos do Brasil no país vizinho.
A Venezuela, rica em petróleo, é um lugar atrativo para empreendedores desde que sejam asseguradas condições institucionais minimamente estáveis. Maduro exagera quando fala do estímulo dos Estados Unidos a um golpe, mas existe um desejo de Washington de que a atual oposição chegue ao poder e promova uma inflexão política para estimular mais investimentos americanos e menos brasileiros.
Ignorar isso é não enxergar como a liderança regional brasileira incomoda a maior potência do planeta.
Mais: é um erro exigir de Dilma uma condenação dura a Maduro. Ele precisa, sim, dialogar, como pediu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa carta que o próprio venezuelano tornou pública.
O Brasil acertou quando jogou para transferir da OEA (Organização dos Estados Americanos) para a Unasul (União Sul-americana de Nações) a chance de alguma mediação externa no conflito interno da Venezuela.
O assessor internacional da Presidência do Brasil, Marco Aurélio Garcia, transmitiu todos os recados necessários, sobretudo os duros, como a necessidade de melhor manejo econômico e de desmontar milícias chavistas armadas. A violência tem de cessar, de parte a parte.
Maduro foi eleito em 2013 para um mandato de seis anos. Na metade desse tempo, é possível a convocação de um referendo para confirmar o exercício do restante do mandato. Há um expediente institucional disponível para a oposição, desde que se una e tenha força para agir. Mas figuras como Leopoldo López, cuja prisão foi um erro de Maduro, têm credenciais golpistas, o que é diferente da linha que Henrique Capriles vinha adotando depois de perder a disputa eleitoral para Maduro.
O presidente da Venezuela está no fio da navalha. Um peteleco do Brasil resultaria em golpe num país rachado, com uma divisão clara, meio a meio, entre chavistas e oposicionistas. Dilma fez bem ao não dar esse peteleco.
Um golpe contra Maduro seria ruim para o ambiente institucional na América do Sul, onde outros países, como a Argentina, enfrentam problemas econômicos graves. Um golpe estimulado pelo Brasil, então, seria pedagogicamente péssimo. A depender dos desdobramentos, um golpe poderia até vir de correntes mais radicais do chavismo.
Se Maduro cair, que seja por seus erros. Não por uma intromissão brasileira que dê a um grupo historicamente golpista o pretexto para agir. O ideal é que a precária institucionalidade venezuelana seja mantida viva. A alternativa a isso é um desastre.
Por último, é recomendável não esquecer que o chavismo é resultado do descaso das elites venezuelanas com o seu povo.