domingo, 22 de março de 2015

PREFEITO DE MARICÁ É CAMPEÃO DE CONDENAÇÕES NO ESTADO

PREFEITO DE MARICÁ É O CAMPEÃO DE CONDENAÇÕES


Foto: Internet

Respondendo a 18 inqueritos civis (recorde do estado), 9 ações de improbidade administrativa (recorde do estado), e já tendo 4 condenações (recorde dentre os 92 prefeitos do estado), o prefeito de Maricá poderá em breve ter novas surpresas.


O GLOBO — Na última terça-feira, a 21ª Câmara Cível proibiu o prefeito de Búzios, André Granado, de fazer qualquer nova contratação de servidor. A medida, pedida pelo Ministério Público, é uma tentativa de frear a série de desmandos que levou o chefe do Executivo a responder a dez ações por improbidade administrativa e a duas penais, que já resultaram em uma condenação. Para o MP, trata-se de mais um caso de uma prática antiga: mau uso de verba pública. O problema se repete no caso de outros 64 prefeitos eleitos em 2012 (ou seja, 70% dos 92 existentes no estado), que também são investigados.

Um levantamento feito nos tribunais Superior Eleitoral e de Justiça do Rio, nos ministérios públicos Federal e do estado e na Polícia Federal revela ainda que 50 desses prefeitos alternam a cadeira no gabinete com o banco dos réus, sendo que em 13 casos já houve condenações. Juntos, 65 chefes do Executivo respondem a pelo menos 118 ações por improbidade administrativa, dez penais e 86 inquéritos. Treze já foram cassados, mas estão recorrendo.

Durante três meses, repórteres do GLOBO analisaram cerca de três mil páginas de documentos sobre contratações irregulares em serviços e obras, superfaturamentos e denúncias de desvios. Nesse período, dois prefeitos foram cassados (Helil Cardozo, de Itaboraí; e Marcos Antônio da Silva Toledo, o Taninho, de Natividade) e dois foram acusados de enriquecimento ilícito (Luciano Mota, de Itaguaí, e Arlei Rosa, de Teresópolis).

Na quarta-feira, o prefeito de São Sebastião do Alto, Mauro Henrique Silva Queiroz Chagas, foi preso em flagrante quando recebia R$ 100 mil de um empresário, que teria sido obrigado a pagar propina por causa de um contrato com o município. A prisão de Mauro, que estava há 11 meses no cargo, foi o desfecho extremo de uma rotina de irregularidades vivida hoje na maior parte das cidades do estado. Ele era o vice na chapa de Carmod Barbosa, que ganhou as últimas eleições, mas foi cassado em abril do ano passado — responde a três processos por improbidade, devido a contratos considerados ilegais.

Em Búzios, Granado, antes de assumir a cadeira do chefe do Executivo, foi secretário de Saúde na gestão de Toninho Branco. Foi nesse cargo que ele e o então prefeito contrataram, sem licitação, os serviços da Barnato Comércio de Peças Ltda ME (que recebeu R$ 557.885,04), da Lagos Tecno Car Som e Acessórios Ltda e da DJ Felipe Mecânica ME, para manutenção dos veículos da Secretaria de Saúde. De acordo com as notas fiscais, os automóveis chegavam a ser lavados duas vezes por dia na Barnato, sediada em Rio Bonito, a mais de 90 quilômetros de Búzios.

R$ 250 POR UM ÚNICO PARAFUSO

Além disso, a prefeitura pagava R$ 250 pela reposição de um único parafuso. O absurdo levou a Câmara a instaurar a CPI do Parafuso, que concluiu pela responsabilidade de Branco e Granado, enviando o caso ao MP. A Justiça concluiu que as notas eram frias e que os serviços, além de contratados ilegalmente, não foram de fato realizados. Em dezembro passado, Branco e Granado foram condenados a devolver R$ 808.864,23 aos cofres públicos. Em sua sentença, o juiz Marcelo Chaves Villas, da 2ª Vara da Comarca de Búzios, lamentou a situação do município, lembrando que, além do então chefe do Executivo, já havia também condenado os dois prefeitos anteriores, também por improbidade administrativa.

MAIS DA METADE DOS PREFEITOS ELEITOS SÃO ALVOS DE INVESTIGAÇÃO

Para não ser cassado, o atual prefeito recorreu da sentença para aguardar o julgamento do recurso ainda no cargo. Ele também está sendo investigado pela contratação de uma empresa para administrar o serviço de vagas rotativas da cidade.

— A empresa não tem lastro para um contrato de valor tão alto, com concessão de dez anos. Por isso, abrimos um inquérito civil para investigar o caso — explicou a promotora Marcela do Amaral Barreto, da 2ª Promotoria de Tutela Coletiva de Cabo Frio.

Ela também atua em três outras ações por improbidade em que Granado e o ex-prefeito são acusados de fechar contratos, sem licitação, para a contratação de ONGs que teriam recebido R$ 13 milhões para administrar o único posto de saúde da região.

Além de prefeito, Granado é dono da Búzios Diagnósticos, de serviços de saúde, inaugurada em 2002. A empresa prestava serviços à prefeitura. Ele é ainda proprietário de um casarão no Condomínio Atlântico, na Praia da Ferradura, onde o município faz obras de pavimentação. A rua onde ele mora só está pavimentada até o trecho justamente em frente à sua residência.

Em nota, a assessoria de Granado afirmou que a pavimentação na rua onde vive o chefe do Executivo foi feita “há uma década”, muito antes de ele assumir qualquer cargo público. Também nega que ele tenha sido alvo da CPI e afirma que a condenação foi equivocada, baseada num parecer do TCE que acabou reformado. “A dinâmica e a grande gama de legislações que incidem sobre a administração pública hoje em dia sujeitam o administrador público a responder a processos judiciais”, diz a nota, acrescentando que a empresa de Granado deixou de prestar serviços à prefeitura há muitos anos.

O prefeito de Cabo Frio, Alair Corrêa, encabeça o número de ações por improbidade — responde a 11 processos — e também já foi condenado. Teve a candidatura impugnada nas eleições de 2012, mas reverteu a decisão no TSE. Ao reassumir seu terceiro mandato, deu início ao processo de licenciamento do parque Riala (Alair ao contrário), de sua propriedade, que teve autorização negada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), por não atender às exigências legais. A assessoria do prefeito não respondeu às perguntas enviadas pelo GLOBO.

Em Cachoeiras de Macacu, o prefeito Waldecy Fraga Machado, o Cica, em seu terceiro mandato, coleciona nada menos que dez ações por improbidade movidas pelo MP estadual. Entre as acusações, está a de prestação irregular de contas e de contratação sem licitação do Instituto Niteroiense de Administração Pública (Inap), para serviços de consultoria e treinamento de funcionários.

Numa das ações, ele chegou a ser condenado em segunda instância por propaganda pessoal nas dependências e no entorno do Centro Intereducacional de Cultura e Arte (Cica). O prefeito foi proibido de usar a sigla “Cica” em placas, avisos e qualquer outro documento, sob pena de multa de R$ 10 mil a cada ato. Waldecy conseguiu manter seus direitos políticos, e a instituição teve o nome trocado: virou Centro Intereducacional de Artes e Cultura (Ciac).

— Foi o secretario de Educação (Osório Luis Figueiredo), do meu mandato anterior, que colocou a placa na época. O Ministério Público entendeu que a placa tinha ligação com o meu apelido. A decisão com a condenação saiu neste mandato, e ainda devo receber uma multa. Quanto às demais ações, estamos recorrendo — diz Cica, um produtor rural que gosta de cavalgadas e não abre mão de visitas à engarrafadora de água mineral Maratuã, da sua família.

ESGOTO DESPEJADO DIRETAMENTE NOS RIOS

No município, que já foi conhecido como “o paraíso das águas cristalinas” e tem mais de 200 cachoeiras, é o despejo de esgoto nos rios Macacu e Ganguri que mais chama a atenção. Casas e prédios lançam os dejetos in natura diretamente nos cursos d’água.

— Quase todo o esgoto daqui vai para os rios — lamenta José Fabrício Gonçalo, de 87 anos, 60 vividos em Cachoeiras.

Cica promete licitar ainda este ano um programa de implantação de rede de esgoto e estações de tratamento nos três distritos do município. Os recursos — R$ 55 milhões — serão dos governos federal e estadual. Na administração de uma cidade extremamente dependente de repasses de royalties de petróleo e outras transferências — em 2013, pouco mais de 7% da receita veio de tributos municipais —, Cica fez um corte de 20% no valor dos contratos, atingindo especialmente a limpeza urbana.

— A ação para redução de despesas não tem sido correta. Ele está acumulando dívidas. Deve R$ 4 milhões a fornecedores de remédios, que já estão faltando no hospital municipal — diz o vereador Carlos Melo da Silva (PV), presidente da Câmara.

Metade dos prefeitos da Baixada Fluminense possui imóvel em áreas nobres do estado

Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, é endereço da maioria. Helicópteros são utilizados como meio de transporte

Prefeito de Nova Iguaçu se desloca com helicóptero de uma construtora

RIO — Os vizinhos do Heliporto de Nova Iguaçu, na Rua Paraná, no Jardim Iguaçu, já se acostumaram com a rápida mas rotineira passagem do prefeito Nelson Bornier pelo bairro de ruas esburacadas e calçadas tomadas pelo mato. Há dois anos, a localidade passou a integrar o trajeto do político, que vive num apartamento duplex em frente à Praia da Barra. Ele costuma sobrevoar a área a bordo de um helicóptero que usa para chegar ao trabalho. Bornier não é o único chefe do Executivo de um município da carente Baixada a manter residência na Barra da Tijuca. Dos 12 prefeitos da região, metade tem endereço em áreas nobres do estado, quase sempre na Barra.

Na lista dos prefeitos que têm domicílio eleitoral na Baixada, mas vivem na Barra, constam ainda Max Lemos (Queimados), Alexandre Cardoso (Duque de Caxias), Alessandro Calazans (Nilópolis) e Luciano Mota (Itaguaí). Sandro Matos, de São João de Meriti, não vive à beira-mar, mas mora num condomínio de casas de luxo em Jacarepaguá. Apenas Max, Alexandre e Alessandro, no entanto, declararam ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) os endereços fora das cidades que administram.

E se o domicílio eleitoral vale apenas para juiz ver, entre os moradores dos municípios não é novidade que os prefeitos morem fora. No bairro Ponte Preta, em Queimados, onde Max Lemos cresceu e costumava frequentar cultos na Igreja Batista, os antigos vizinhos sabem que o alcaide hoje mora num apartamento no Jardim Oceânico, na Barra. A assessoria de Lemos informa que o imóvel foi comprado por meio de financiamento e que o prefeito também possui residência na cidade da Baixada, onde vive parte de sua família.

Procurados pela reportagem, Alexandre Cardoso, Alessandro Calazans, Luciano Mota e Sandro Matos não se pronunciaram.

Para escapar do trânsito no percurso de 39 quilômetros entre a Barra e Nova Iguaçu, Bornier usa o helicóptero Esquilo, prefixo PR-HRC, que está em nome da São Marcos Terraplanagem e Construção. O prefeito não informou ao TRE sobre o apartamento onde vive no Atlântico Sul. Seu hábito de chegar e sair voando da cidade já virou motivo de piada entre os moradores, que lembram que uma de suas promessas de campanha era desatar o nó do trânsito na região:

— Pelo menos para ele, não há mais engarrafamento no caminho para o trabalho — ironiza o comerciante Ricardo Fernandes.

Na Padaria do Rafael, nos arredores do heliporto, onde os quatro seguranças do prefeito costumam tomar café enquanto aguardam a chegada do helicóptero, alguns contam que até aproveitam a rotina para tentar abordá-lo sobre problemas da cidade:

— Bornier sai direto da pista de pouso num Kia todo preto, que é acompanhado pelo carro dos seguranças. Uma vez, o vidro estava aberto e eu pedi para ele asfaltar uma rua do bairro, que estava muito esburacada. Mas nada foi feito — lembra o aposentado Enéas Pereira.

Com exceção de dois — Nestor Vidal (Magé) e Sandro Matos —, dez prefeitos de cidades da Baixada são alvos de inquéritos e processos, totalizando 24 procedimentos investigatórios. Desse total, Bornier é citado em seis deles, por supostas práticas de atos de improbidade administrativa, crime de responsabilidade e sonegação de impostos.

Bornier, por meio de nota, diz que as ações na justiça estadual e federal levantadas pelo GLOBO “não revelam qualquer fato novo de interesse público”. Ainda segundo a assessoria do prefeito, Bornier não foi condenado nas ações, sequer em primeira instância. O documento confirma que o prefeito “tem há duas décadas um imóvel no Rio para descanso”, sem mencionar a localização. Quanto ao uso do helicóptero, a nota informa que a aeronave “é gentilmente cedida por um amigo do empresário, que nada recebe em troca”.

Os demais prefeitos, em defesas encaminhadas aos órgãos responsáveis pelas investigações, negam qualquer prática ilegal.

ESPECIALISTA DEFENDE MECANISMO DE CONTROLE

O levantamento que mostra que 70% dos prefeitos de municípios do Estado do Rio são citados em investigações ou processos judiciais surpreendeu a diretora-executiva da Transparência Brasil, Natália Paiva. Ela observa que o resultado é muito superior ao percentual constatado em um estudo, elaborado por uma equipe da entidade, sobre os parlamentares da Câmara Federal.

— Nossa pesquisa revelou que 52% dos 513 deputados federais respondiam a algum tipo de investigação ou processo judicial. Comparando os levantamentos, o índice obtido pelo GLOBO, referente a prefeituras de cidades do Estado do Rio, surpreende por superar em quase 20% o verificado na Câmara — diz Natália.

Para a diretora-executiva da Transparência Brasil, os números apontam um quadro preocupante, mas, por outro lado, apontam que um esforço está sendo feito para frear desmandos por parte de políticos. Natália Paiva afirma, no entanto, que o quadro atual indica que “os prefeitos são quase como reis absolutistas”, que agem como se estivessem acima das leis e, sobretudo, ignoram os anseios de seus eleitores.

A diretora-executiva da Transparência Brasil alerta que ainda é preciso aumentar os mecanismos de controle das administrações municipais, sobretudo, no interior do país:

— Se, no Rio de Janeiro, 70% dos prefeitos são suspeitos de alguma prática de improbidade ou outros crimes, imagine o que acontece em estados das regiões Norte e Nordeste.

GLOSSÁRIO

Cassação
Quando a autoridade eleita perde o mandato. Nos Tribunais Eleitorais, isso acontece quando os políticos são condenados em crimes que afrontam a legislação eleitoral, como a compra de votos, o uso da máquina administrativa para obter vantagem sobre os concorrentes e outros crimes previstos no Código Eleitoral. Na Justiça comum, eles podem ser cassados por decisão judicial por crimes praticados contra a administração pública, mesmo em esfera administrativa ou penal. Nas Câmaras Municipais, podem ser cassados em processos políticos para apurar desvios graves de conduta ou quando reprovados nas prestações de contas de sua administração
Improbidade administrativa
É dividida em 3 tipos: enriquecimento ilícito (obter aumento do patrimônio pessoal às custas de crimes contra os cofres públicos); danos ao erário público (diminuição do patrimônio público por conta do ato criminoso); e atos contra os princípios da administração pública (não há ganho ou perda de patrimônio, mas o ato é desonesto e imoral, como por exemplo fraudar um concurso público). A punição por improbidade não exclui outras penas civis, administrativas e penais.
Ação penal
Processo que julga crimes previstos na legislação penal. Como prefeitos têm o direito a fórum especial por prerrogativa do cargo que ocupam, eles são julgados por desembargadores da seção criminal do Tribunal de Justiça.
Inquérito civil
Inquérito instaurado pela tutelas coletivas do Ministério Público ou da Procuradoria da República, nos casos em que ferem interesses da União, como convênios federais.
Inquérito policial federal
Investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, quando o crime investigado fere a legislação federal (como evasão de divisas e lavagem de dinheiro) ou interesses da União, como desvios de verbas federais em convênios como, por exemplo, o SUS.
IDEB
Criado pelo Ministério da Educação em 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica reúne em um só indicador dois conceitos para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. O Ideb varia de 0 a 10. O dado usado neste infográfico considera apenas as escolas públicas dos municípios, do primeiro ao quinto ano, no ano de 2013.
IDHM
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal é uma medida que leva em conta três indicadores: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.