segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Destino de aço usado na Perimetral vira polêmica

Engenheiros criam comissão para debater com prefeitura o destino de 26 mil toneladas de vigas de aço especial do elevado no Rio.

A demolição do Elevado da Perimetral, que cruza a zona portuária do Rio de Janeiro, coloca frente à frente a Prefeitura da cidade e engenheiros que participaram da construção da via, nos anos 1970.
O motivo da polêmica são 26 mil toneladas de vigas de aço ultrarresistente, que têm valor de mercado estimado em R$ 208 milhões, cujo destino ainda não foi definido. O Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro (Crea-RJ) criou uma comissão para debater o futuro do material, que pode ser reaproveitado na construção de pontes e viadutos.
A demolição do elevado, que tem 7.326 metros de comprimento e liga o Centro do Rio às principais vias de acesso da cidade, faz parte do projeto de revitalização da zona portuária. A avaliação é que a estrutura, inaugurada em 1979, prejudica a ocupação da área, seja por empreendimentos imobiliários, seja por equipamentos culturais e de lazer. A Avenida Rodrigues Alves, que passa abaixo do elevado, será transformada em uma via expressa, segundo o projeto Porto Maravilha.
"Partindo do pressuposto de que o elevado será mesmo derrubado, há um ponto ainda pouco discutido nesse processo, que se refere ao sistema de derrubada e ao reaproveitamento das vigas", diz o presidente do Crea-RJ, Agostinho Guerreiro. "São vigas especiais, com aço muito específico, que foram instaladas praticamente à beira-mar e hoje têm apenas um pequeno revestimento de ferrugem", completa.
As vigas foram fabricadas na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), com base em uma tecnologia conhecida como Cor-Ten, desenvolvida pela United States Steel. Para estender a vida útil, a fabricação é feita com a adição de vanádio, que protege o aço contra corrosão. Segundo o engenheiro Ildony Belley, um dos projetistas da Perimetral, testes indicaram que a viga perde apenas 1 milímetro de espessura a cada 180 anos.
"A vida útil é praticamente eterna. Seria um absurdo pegar uma viga destas e sucatear", comenta Belley. Ele conta que, na época da construção, foram fabricadas vigas de 12 metros de comprimento, limite para permitir o transporte de caminhão pelos 100 quilômetros que separam a usina da CSN, em Volta Redonda, do Rio. Na capital, em um canteiro de obras, as vigas foram emendadas em peças de 36 metros, que seriam dispostas sobre as vigas de sustentação do elevado.
Em fevereiro, uma primeira viga de aço, que sustentava uma das alças de acesso do elevado, foi retirada pela consórcio responsável pelas obras. O material foi reaproveitado na construção de uma nova alça. A prefeitura planeja, a partir de outubro, iniciar a fase principal de derrubada do viaduto. Ao todo, são 1.008 vigas, sustentando as pistas do elevado.
Segundo o cronograma do projeto Porto Maravilha, nome dado pela prefeitura às obras de revitalização da zona portuária, a estrutura será totalmente desmontada até 2016.
A administração municipal ainda estuda o que fazer com as vigas, informa o presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), Alberto Gomes Silva. "A Secretaria Municipal de Obras está fazendo um levantamento de obras da prefeitura que poderiam aproveitar o material. O que não for aproveitado, vamos leiloar", conta ele. A ideia é usar os recursos da venda do material em outras obras de infraestrutura urbana. Silva diz que não tem avaliação do valor do material, que vai depender do uso que for dado pelos futuros compradores.
O Crea se preocupam com o risco de sucateamento das vigas, uma vez que as construtoras brasileiras têm preferido usar estruturas de concreto armado ao invés de aço em grandes obras de transportes. As vigas de concreto são mais baratas, mas necessitam de maior manutenção e têm vida útil menor. O aço costuma ser mais usado, em construção civil, em países que enfrentam desastres naturais.
Os engenheiros responsáveis pelo projeto propõem o uso em novos projetos de pontes e viadutos, seguindo o conceito de economia verde, alegando que o reuso das vigas pode reduzir em até 40% o custo das obras. "Poderíamos construir 250 pontes com as mil vigas que serão retiradas do Elevado da Perimetral", diz o engenheiro Fernando Pinho, que também participou da construção da via. Uma das alternativas já apontadas pelo Crea seria destinar parte das vigas ao projeto de ampliação do Elevado do Joá, que liga a Zona Sul à Zona Oeste da cidade, em estudo pela prefeitura.
"Como grande parte da estrutura será desmontada, acreditamos que as vigas sairão em boas condições. Mas não quer dizer que vamos conseguir aproveitar tudo, porque foram feitas sob encomenda para aquele projeto", argumenta o presidente da Cdurp. Segundo ele, a Prefeitura tem trabalhado para reaproveitar ao máximo materiais retirados nas obras de reurbanização da região portuária. "Estamos perfurando três túneis e reaproveitando a rocha em obras na região", conta ele. Para isso, foi instalada uma usina de britagem próxima ao canteiro de obras.
O objetivo, diz Silva, é tentar reaproveitar também o concreto retirado do elevado. Na primeira rampa já demolida, foram retirados 3,2 mil metros cúbicos de concreto, que poderão ser usados na pavimentação das novas ruas e avenidas que estão sendo construídas na região.
As vigas de aço usadas na construção da Perimetral foram projetadas pela antiga Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM), da CSN, que também projetou o Viaduto Engenheiro Freyssinet - também conhecido como Elevado Paulo de Frontim, por ficar sobre a avenida de mesmo nome - e o viaduto da Linha Vermelha, que formam, com a Perimetral e a Avenida Brasil, o principal complexo viário de acesso ao Centro e à Zona Sul do Rio. A empresa foi extinta na virada dos anos 2000, após o descruzamento de ações da mineradora Vale, que colocou em lados opostos o banco Bradesco e a CSN.
NÚMEROS
R$ 200 milhões: Valor estimado das vigas de aço do Elevado da Perimetral, que será demolido.
26 mil: Peso, em toneladas, das vigas de aço usadas na construção do elevado.
12 m: Comprimento de cada viga trazida da Companhia Siderúrgica Nacional para ser montada no Rio.
1979: Ano da inauguração oficial do elevado, que liga o Centro às principais saídas do Rio.

Demolição do elevado enfrenta resistências
A placa com fotos do elevado da Perimetral e a frase "Diga não à demolição" parece pequena, diante do gigantismo da estrutura de concreto logo atrás. O protesto, que pode ser visto todos os dias na Praça XV - uma das regiões históricas mais impactadas visualmente pela presença do viaduto - é uma pequena mostra da enorme resistência que o projeto de desmonte da via enfrenta na cidade.
"Até o momento, não existe, de forma transparente, argumento técnico que mostre que a derrubada seja necessária", diz o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro (Crea-RJ), Agostinho Guerreiro. Com um fluxo estimado em 40 mil veículos por dia, a via é considerada fundamental para o escoamento do trânsito entre o centro e zona norte, Baixada Fluminense e a Ponte Rio-Niterói.
A prefeitura argumenta que o elevado contribuiu, durante anos, para a degradação de uma área que já foi fundamental na vida da cidade. Acredita que, sem a enorme estrutura de concreto, conseguirá atrair novas empresas e moradores para a região. E alega que o novo sistema viário da zona portuária, que conta com uma nova avenida, com três faixas de rolamento em cada direção, terá capacidade de tráfego maior do que o atual.
A resistência à derrubada tem apoio do Ministério Público Estadual, que vem trabalhando para suspender as obras. O procurador José Alexandre Maximino Mota reforça o argumento de que não há garantias de que os impactos no trânsito da cidade serão minimizados pela nova estrutura viária.
Em fevereiro, o prefeito Eduardo Paes disse que a retirada da primeira viga de aço do elevado é algo "histórico". "A Perimetral degradou muito a região portuária e colaborou com a degradação de todo o centro da cidade. Por isso, sua demolição é simbólica nesse processo de revitalização do Centro do Rio. Uma cidade que não tem um Centro funcionando é uma cidade sem alma, e a retirada dessa viga representa um pouco a retomada dessa alma", afirmou.