sábado, 9 de maio de 2020

BRASIL É O CAMPEÃO MUNDIAL DE MORTE DE ENFERMEIROS PELA COVID-19

Coronavírus matou mais enfermeiros no Brasil do que em países com maior registro da doença

Boletim registrou 75 óbitos até o início da semana; Conselho denuncia uso de profissionais que estão em grupo de risco para atendimento a casos de Covid

Denise Gomes (42), era enfermeira da UPA do bairro de Inoã em Maricá, cidade do estado do Rio de Janeiro
e faleceu no sábado 25 de abril
Um boletim divulgado esta semana pelo Comitê Gestor de Crises do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) informou que 75 enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem morreram devido à Covid-19. Trata-se de um registro maior do que a soma dos casos vistos entre os profissionais da área na Itália (35) e na Espanha (quatro), que estão entre os países mais acometidos pelo coronavírus.

De acordo com o Cofen, 10,4 mil profissionais de enfermagem estão em quarentena e 219 estão internados.

— Há muitos profissionais de enfermagem com mais de 60 anos que permanecem na linha de frente do atendimento aos pacientes. Não deveriam estar ali, porque fazem parte do grupo de risco. Uma em cada cinco mortes que registramos está entre pessoas dessa faixa etária — afirma Manoel Neri, presidente do Cofen.

Neri acrescenta que a "grande maioria" dos profissionais com mais de 30 anos afastados apresenta comorbidades como obesidade, diabetes e hipertensão.

Profissionais de saúde relatam que sofrem represália ao pedir sua retirada do atendimento a casos de Covid-19. Uma liminar obtida na última segunda-feira pelo Cofen na Justiça Federal determinou o direito a “afastamento voluntário dos profissionais de saúde lotados no SUS que estão no grupo de risco”, podendo ser remanejados para outras atividades.


Neri destaca que muitos profissionais não foram treinados sobre como devem usar os equipamentos de proteção individual e que mesmo aqueles que desenvolvem formas leves da doença precisam se afastar do trabalho por 14 dias — tempo suficiente para comprometer o atendimento a novos pacientes.

A técnica de enfermagem Iraildes Vieira, de 49 anos, sabe como se vestir adequadamente para evitar o contágio por coronavírus. No entanto, não teve as condições necessárias para seu trabalho. Após seguidos protestos, ela foi demitida ontem pela fundação que administra a unidade de pronto atendimento onde trabalhava, em Cotia, no interior de São Paulo.

— Houve uma época em que nós, funcionários, comprávamos touca e máscara de pano pela internet. Depois a empresa deu o material adequado, mas começou a exigir que nós lavássemos para reutilizar por até uma semana. Não é para ser assim, ele deve ser logo descartado — protesta. — Eu trabalhava em um ambiente fechado, cuidava de medicação, fazia curativo. Poderia contrair o vírus a qualquer hora. Três colegas da unidade já foram infectadas.

Gilvanete Tavares, de 52 anos, é enfermeira do Hospital Geral de Bonsucesso. Sua história veio a público em março, quando ela contou ao EXTRA ter participado do parto de uma mulher cuja gestação foi interrompida por suspeita de Covid-19. No dia 3 de abril, porém, a própria Gilvanete começou a apresentar sintomas da doença, e entrou de licença. Embora trabalhe na rede pública, a enfermeira informou que teve de realizar um teste num laboratório particular, pois não conseguiu realizar exame em hospitais do Estado.


A confirmação para Covid-19 chegou no dia 7. Seu quadro começou brando, com febre e dor de cabeça leves. Contudo, a partir do sétimo dia de sintomas, Gilvanete passou a ter dispneia. A sensação de cansaço foi tamanha que a enfermeira relatou perder o fôlego até mesmo ao se revirar na cama. Ela decidiu, então, ir ao hospital. Segundo Gilvanete, a infecção se alastrou por seu pulmão com tal rapidez que em quatro dias um pequeno infiltrado lateral se transformou em um dano de 50% em ambos os pulmões.

— No ano passado tive um câncer de mama e cheguei a fazer cirurgia, mas não foi assim. Fiquei muito mais assustada agora — diz ela.

Depois do tratamento com oxigenação, Gilvante se recuperou. Seu período de quarentena se encerrou no último 24.

Permaneceu, porém, a preocupação com familiares, pacientes e colegas. O marido da enfermeira também foi diagnosticado com Covid-19. Embora ele tenha se curado tranquilamente, sem registrar baixos níveis de oxigênio, Gilvente demorou para se recuperar do susto que a Covid-19 deu em toda a sua família. Desde o início da crise, a enfermeira também soube da morte de dois colegas enfermeiros do Hospital de Bonsucesso.

— Enquanto eu trabalhava, ainda havia equipamentos de proteção individual. Mas, honestamente, não sei até quando isso durou. Os enfermeiros precisam trocar de EPI com frequência durante o dia, e o estoque de EPIs é limitado — finaliza a enfermeira.



Alerta global
De acordo com o Conselho Internacional de Enfermagem (ICN), pelo menos 90 mil profissionais da área contraíram o novo coronavírus no mundo. O dado consta em um boletim divulgado ontem, que alerta, no entanto, que as estatísticas estão subnotificadas e que os números globais podem ter ultrapassado a marca de 200 mil infectados, devido à falta de equipamentos de proteção individual.

O ICN registrou a morte de 260 profissionais de enfermagem — um número que a própria entidade reconhece que não corresponde à realidade:


— É um escândalo que governos não estejam coletando e reportando sistematicamente esses dados. Nos parece que eles estão ignorando esses números, o que é completamente inaceitável e custará mais vidas — lamenta Howard Catton, diretor-executivo da ICN.