“Quero a Gleisi”. Foi assim, com a mesma objetividade e sem
cerimônia com que comanda os petistas há 39 anos, que Lula encarou Jaques
Wagner e Humberto Costa, em sua cela em Curitiba durante uma visita no início
de fevereiro e anunciou que Gleisi Hoffmann é seu nome para presidir o PT até
2021.
Wagner e Costa estavam havia quase uma hora com o ex-presidente,
que havia sido condenado um dia antes por corrupção no caso do sítio de
Atibaia. Os dois ouviram calados. Não concordaram, mudaram de assunto e
tentaram animá-lo. Lula não estava choroso nem reclamou da sentença. Disse
saber que a juiz Gabriela Hardt o condenaria. Nas duas horas em que ficou com
os amigos, não fez nenhuma de suas brincadeiras habituais nem interagiu com os
dois agentes da Polícia Federal que guardavam a entrada, como gosta de fazer. “Precisamos
animar a tropa. É hora de ficarmos unidos. A Gleisi é a pessoa certa para isso”,
repetiu, tentando obter de Wagner e Costa um sinal de concordância, que nunca
veio.
E que nem deve vir. Nem Wagner, nem Costa, nem boa parte dos
petistas que colocaram o rosto na urna e tiveram de passar pelo crivo do “CONFIRMA”
em outubro de 2018 quer na presidência do PT alguém que, sem avisar o partido,
embarcou para Caracas para bater palmas para Nicolás Maduro. Ou ainda que, sem
conseguir andar pelas ruas de Curitiba diante do risco de vaias, se mudou de
vez para Brasília com os filhos e vive em isolamento em sua casa. A
impopularidade de Gleisi Hoffmann chegou ao ponto de impedi-la, quando tem de
ir ao Paraná, de cruzar o saguão do Aeroporto
Afonso Pen. Como fazem alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, ela
desce por uma escada lateral, diretamente do avião para a pista. Quando
reconhecida, acelera o passo.
“Lula não tem como avaliar, de dentro da prisão, a gravidade
do cenário. A Gleisi é inviável”, sentenciou um integrante do diretório
nacional que tenta convencer colegas a peitar Lula e lançar uma candidatura
alternativa à de Hoffmann, no segundo semestre deste ano. “Do jeito que está, o
PT está preso na mesma cela que Lula”, completou.
Como confrontar um ex-presidente de 73 anos, preso há quase
um ano e sem perspectiva de sair da prisão? Contrariar Lula pareceria um
abandono – o maior medo de ex-presidente. Segui-lo cegamente, entretanto,
significaria manter Hoffmann e o foco absoluto no “LulaLivre”. “Temos de ter
uma saída pelo meio. Não abandonaremos Lula, mas o partido tem de ser mais do
que isso”, analisou outro petista, também do diretório nacional.
A opçãp preferida de nove entre dez petista que se opõem a
Hoffmann é Fernando Haddad, que, embora evite confrontar Lula e afirme não
querer presidir o partido, engrossa o coro contra a reeleição. Não só porque
comunga da tese de que Gleisi dificulta a sobrevivência do PT, mas porque as
rusgas entre os dois, surgidas antes da campanha de 2018, continuam fortes.
Nada que se compare ao clima dos últimos dias do segundo
turno, em que romperam, com Hoffmann trobeteando o “Lula Livre”, enquanto
Haddad havia acordado com Lula que não faria mais o beija-mão semanal na cela
presidencial.
De lá para cá, Haddad e Hoffmann mal se falam. Ela não tem
participado do planejamento das caravanas do partido, que recomeçaram em
fevereiro passado, por Fortaleza e Teresina, lideradas por Haddad. Também está
fora da formulação do pacote de propostas para a segurança pública e combate ao
crime organizado que Haddad está preparando, com petistas e advogados
paulistas, num contraponto ao de Sérgio Moro. Longe disso. Na segunda feira,
quando esse grupo se reuniu com Haddad e Rui Falcão, no apartamento do advogado
Pedro Serrano, na região dos Jardins, em São Paulo, a orelha de Hoffmann ardeu.
Não que a oposição a Gleisi seja unanimidade. Com a
burocracia do partido, por exemplo, sem voto e obediente na hora de vestir a
casaca de primeiro soldado na fileira de defesa do ex-presidente, Hoffmann é
campeã. Com um ou outro parlamentar que encarne o mesmo papel, também. Mas não
vai muito longe.
José Dirceu a despreza. Numa segunda feira em meados de
fevereiro, enquanto Haddad e outros petistas debatiam o tal pacote de
contraponto a Moro, Dirceu era a estrela do aniversário de 39 anos do partido,
no Teatro dos Bancários, em Brasília.. Pregou, a exemplo de Lula, a união da
esquerda. Mas foi severo na crítica sobre os rumos do partido. “Ficamos longe
do povo. Perdemos essa espaço para igrejas evangélicas. A culpa não é das
igrejas, é nossa. Os dirigentes do PT se afastaram do povo”
Entre os outros partidos de oposição, Hoffmann é apontada
como uma das razões do fosso em que o PT se meteu. Há quem ache que as feridas
abertas com Ciro Gomes em 2018, não cicatrizarão, da mesma maneira que as de
Marina Silva em 2014 ainda estão abertas. Com outras palavras, Carlos Lupi,
presidente do PDT, reforça o “Lula está preso, babaca” dos irmãos Gomes. “ O
PDT cansou de ser bucha de canhão. O ‘Lula Livre’ resolve alguma coisa? Se o PT
continuar insistindo que só eles levam a Deus, vamos continuar sendo pecadores.
Antes sós que mal acompanhados”, provocou Lupi.
O partido tenta se adequar à realidade no Congresso. Na
Câmara, embora tenha a maior bancada, não participou da vitória de Rodrigo Maia
e embarcou, ao menos oficialmente, na candidatura de Marcelo Freixo (PSOL) para
a presidência da Câmara. Acossados no Senado, onde chegaram a ser 13, os seis
remanescentes do partido dependem da boa vontade de Davi Alcolumbre para
presidir alguma comissão. Para estancar a sangria de cargos perdidos, tiveram
de formar um bloco com o PROS de Fernando Collor (ora veja). Nas duas casas,
perderam a liderança da oposição, que, na Câmara, ficou com Jandira Feghali, do
PCdoB, e, no senado, com Randolfe Rodrigues, da Rede.
Distante de Brasília, Fernando Haddad continua sendo a única
solução à vista do partido. “Seu destino não pertence mais a você, Fernando”,
ouviu Haddad de um senador petista, em novembro, dias depois da derrota com 47
milhões de votos no segundo turno. Embora reafirme que não quer presidir o PT,
Haddad de certa maneira ouviu o chamamento. No final de fevereiro, Cristiano
Zanin, advogado de Lula, entrou com a papelada para incluir Haddad como advogado
da execução penal do ex-presidente, o que poderia garantir a autorização para
visitar Lula a qualquer hora, mas por enquanto, a justiça ainda não acatou o
pedido. A peregrinação de visitas vai recomeçar. E, numa delas, como nunca
anyes na história deste país, Lula ouvirá o primeiro “NÃO” do PT.
Enquanto isso em Maricá, último reduto petista do estado do
Rio de Janeiro, a filha de Lula – Lurian Silva, constrói um shopping center no
centro da cidade.
Texto de Guilherme Amado e colaboração de Eduardo Barreto e
Pery Salgado.