Lula deve martelar que queda de Dilma foi 'golpe', mas quando subir nos palanques estará ao lado de 'golpistas'
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No plano nacional, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá martelar a tecla de que o impeachment de Dilma foi um “golpe”. Mas, quando subir nos palanques de ao menos seis estados brasileiros, o petista vai estar lado a lado com os “golpistas” que sempre atacou.
Os exemplos mais notórios são os dos senadores peemedebistas Renan Calheiros e Eunício Oliveira, que deram votos favoráveis à saída da ex-presidente, afastada por 61 a 20 no Senado em 30 de agosto de 2016. Mas não é só nas Alagoas de Renan ou no Ceará de Eunício que as conversas entre petistas e peemedebistas estão aceleradas para alianças nas eleições de 2018. Além desses dois, há negociações em Minas Gerais, Piauí, Sergipe e Paraná.
Ao menos nesses seis estados, PT e PMDB, além de outros partidos da base que apoiaram o impeachment, já deflagraram negociações para alianças locais. Em Minas Gerais, se Dilma conseguir a vaga para disputar o Senado, o PMDB pode integrar a sua chapa. A explicação para essa aparente contradição de princípios é, acima de tudo, pragmática. Em especial no Nordeste, onde Lula chega a ter mais de 50% segundo as pesquisas de intenção de voto, a aliança interessa aos dois lados: para o petista, ter candidatos fortes pode impulsionar ainda mais suas possibilidades; para os “ex-golpistas”, ir contra um político tão popular pode complicar as eleições.
O líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini (SP), disse que no nível nacional não há negociações, mas confirmou que existem conversas informais nos estados onde os dois partidos já tinham aliança, que perduraram apesar do impeachment e da implosão das relações em Brasília.
— Eventualmente, há conversas nos estados, de maneira informal. São conversas nos estados onde já temos alianças e que perduraram — afirmou o deputado.
Embora o Diretório Nacional do PT tenha proibido formalmente alianças com partidos que apoiaram o impeachment, figuras importantes dentro do partido já defendem que a regra seja revista. Em entrevista ao jornal “Estado de S. Paulo”, o presidente estadual do PT de São Paulo, Luiz Marinho, próximo de Lula, defendeu que o partido tem de derrubar a proibição.
No Ceará, Eunício já declarou voto em Lula se o PMDB não tiver candidato à Presidência, o cenário mais provável atualmente, já que o presidente Michel Temer tem menos de 10% de aprovação e não há qualquer nome competitivo dentro do partido. Segundo aliados, Eunício inclusive vem se aproximando do atual governador e candidato à reeleição, Camilo Santana (PT). A ideia é que o senador apoie a reeleição de Santana e seja o candidato ao Senado em uma chapa conjunta.
— Se não houver um entendimento nacional, se não houver uma aliança local que me obrigue a agir diferente, eu sou eleitor do Lula — disse o presidente do Senado há cerca de duas semanas.
Em Minas Gerais, o governador Fernando Pimentel (PT) pode ter como vice o presidente da Assembleia Legislativa, Adalclever Lopes, do PMDB. O deputado estadual é cotado para ser o vice de Pimentel porque o atual, Toninho Andrade, afastou-se do governador desde o processo de impeachment de Dilma, quando Temer assumiu o comando do país.
Mas o PMDB mineiro está dividido. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, deputado Rodrigo Pacheco (MG), disse ao GLOBO que é contra apoiar o PT e que o partido tem que lançar candidato próprio.
— O PMDB tem essa aliança com o PT atualmente. Há alguns membros que querem reeditar essa aliança e há outros que querem uma candidatura própria, como eu — reagiu Pacheco, ele mesmo cotado para ser o candidato.
Em Sergipe, a situação é parecida. Embora existam negociações para uma aliança, uma parte do partido tenta evitar a união.
— Se eles (PT) falam mal do PMDB em nível nacional, não tem por que fazer aliança aqui no estado. Se eles (PT) quiserem apoiar a gente na proporcional, tudo bem. Mas, para compor a chapa majoritária, sou totalmente contra — criticou o deputado Fábio Reis (PMDB-SE).
'RENAN ME AJUDOU A GOVERNAR'
Em Alagoas, Renan Calheiros há meses assumiu discurso de ataque ao governo Temer e se aproximou do PT e de Lula. No dia 22 de agosto, Renan foi às margens do Rio São Francisco se encontrar com Lula, em Penedo (AL).
A ruptura com Temer fez com que Renan saísse do cargo de líder do PMDB no Senado. Ele mirou, segundo aliados, na realidade de Alagoas, onde Lula tem cerca de 70% de popularidade. Segundo um aliado, Renan não poderia "brigar com a realidade" ou colocaria em risco sua campanha para o Senado e a reeleição do filho, Renan Filho, como governador.
Na caravana pelo Nordeste, em agosto, Lula foi só elogios a Renan e ao ex-presidente José Sarney, ligadíssimo a Temer.
— O Renan pode ter todos os defeitos. Agora, o Renan me ajudou a governar este país. Sou grato ao Sarney, é importante dizer. Eu sou grato ao Sarney como presidente do Senado — disse Lula, na ocasião.
No Paraná, as negociações são entre o senador Roberto Requião (PMDB-PR) e a presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Requião é dissidente dentro do PMDB, foi contra o impeachment e constantemente conversa com Lula. Por enquanto, a ideia é que Requião seja candidato ao Senado novamente e que apoie um nome do PT para disputar o governo do estado.
No Piauí, o histórico de alianças partidárias firmadas entre PMDB e PT é antigo. Para justificar a reaproximação dos partidos no estado, o deputado Assis Carvalho (PT-PI) destacou a posição defendida pelo presidente estadual do PMDB no Piauí, Marcelo Castro, que votou contrário à abertura do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff.
Para o líder do PMDB no Senado, Raimundo Lira (PB), também existe a possibilidade de coligações entre os partidos na Paraíba.
— Na Paraíba, tem viabilidade porque nosso aliado é o PSB, que é correligionário do PT. E nossa relação com o PT estadual também é historicamente boa. As informações que tenho são de que o presidente Lula não faz nenhuma restrição a esse fato. Cada estado tem uma realidade própria — avaliou.
Com quase um ano para as eleições, as realidades tendem a se adaptar cada vez mais.