quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Maioria dos ministros do Supremo vota para restringir foro privilegiado

Por 6 votos a 1, prevalece a tese de que a autoridade deve ser investigada pelo foro correspondente ao cargo ocupado na época do crime


Sete dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram nesta quinta-feira pela restrição da regra do foro privilegiado para deputados e senadores. Dos que já votaram, seis declararam que apenas ficarão na corte processos sobre crimes cometidos por parlamentares no exercício do mandato, por fatos diretamente relacionados à função pública.

Quando terminar o mandato, a investigação seria enviada para a primeira instância do Judiciário. Isso só não aconteceria se a ação penal já estiver totalmente instruída, pronta para ser julgada pela corte. A medida serviria para evitar adiar a conclusão do processo.

Os crimes praticados antes da pessoa ser eleita para o Congresso Nacional não seriam processados no STF, mas em varas criminais comuns. Ou, ainda, em outros foros, se o político estiver no exercício de outro cargo na época do delito. Por exemplo, governadores são processados e julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, os crimes comuns praticados por parlamentares também ficariam fora do STF. Se, por exemplo, um senador for acusado de violência doméstica, o processo será conduzido na primeira instância.

Atualmente, qualquer crime envolvendo deputados federais e senadores, cometido antes ou durante o mandato, é julgado apenas no STF. Quando o político se elege para esses cargos, eventuais processos já abertos contra ele em outras instâncias são transferidos para a corte.Pela proposta que está vencendo em plenário, isso não vai mais acontecer.

A proposta de mudança foi feita pelo ministro Luís Roberto Barroso em plenário em maio. Na época, três ministros concordaram com ele: Rosa Weber, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello. Hoje, mais dois engrossaram o time: Edson Fachin e Luiz Fux.

A discussão foi retomada nesta quinta-feira com o voto de Alexandre de Moraes, que havia interrompido o julgamento com um pedido de vista na sessão de maio. Hoje, ele defendeu que parlamentares sejam investigados no STF apenas por crimes cometidos ao longo do mandato. Mas, ao contrário de Barroso, ele declarou que essa prerrogativa poderia ser usada inclusive para crimes comuns, mesmo que não tenham relação com o mandato.

— Aquele que cometeu crime antes de ser parlamentar não sabia se seria parlamentar. Não há aqui a meu ver a finalidade protetiva (do exercício do mandato parlamentar) — disse Moraes.
Ainda devem votar na sessão de hoje os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Ricardo Lewandowski está de licença médica e não deve participar do julgamento. A expectativa é de que a votação seja concluída ainda hoje. Mas, se um dos três pedir vista, a decisão será adiada para uma data incerta.
Na avaliação de Moraes, não há como fazer uma distinção dos crimes com relação com o mandato e aqueles sem ligação.
— Não há aqui margem para que se possa dizer que infrações penais comuns, que não sejam crimes de responsabilidade, praticadas por deputados e senadores não sejam de competência do Supremo Tribunal Federal — disse Moraes, concluindo: — Entendo que só por emenda constitucional é possível essa alteração.
O ministro foi além do voto de Barroso em outra questão. Ele pediu o cancelamento da súmula 704 do STF, que permite pessoas sem foro serem investigadas no STF quando os supostos crimes tiverem relação com aqueles cometidos por quem tem foro. Só poderiam continuar sendo investigados em conjunto caso haja crimes indivisíveis, como uma organização criminosa.
— Se pegarmos os inquéritos por crimes cometidos por parlamentares durante o exercício do mandato, se pegarmos os fatos conexos, eles dão 7 vezes mais trabalho do que o próprio parlamentar. Só que essas pessoas não têm foro no STF — afirmou Moraes.
Ele também destacou que a morosidade da justiça criminal brasileira não se limita ao STF.
— O que menos se julga no Brasil, a maior desfuncionalidade é na questão do júri, dos homicídios. Nem 3% dos homicídios são julgados. É um problema sistêmico. Não é somente do Supremo Tribunal Federal —- disse o ministro.
Moraes elogiou o trabalho da Justiça Federal, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal em Curitiba, responsáveis pelos processos da Operação Lava-Jato. Mas destacou que a realidade deles não é igual à toda a primeira instância brasileira.

— Diferentemente do que várias vezes é propagado, não há nenhuma dúvida do grandioso, belíssimo trabalho que vem sendo feito em Curitiba, tanto pela Procuradoria, quanto pelo juiz (Sérgio) Moro, como pela Polícia Federal. Mas sabemos que trabalham em situações especialíssimas. Não podemos comparar com a primeira instância do país todo — avaliou Moraes.

Durante o voto de Moraes, o ministro Gilmar Mendes fez alguns apartes para ressaltar que o problema é do sistema como um todo. O ministro destacou que processos na primeira instância, quando não acompanhados pela imprensa, não andam. Ele citou Eliana Calmon, ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo Gilmar, Eliana dizia que ações de improbidade - que não são ações criminais e podem tramitar na primeira instância - contra políticos do Rio não andavam. Isso indicaria um compadrio entre juízes e políticos do estado.

— O que há de verdade é um colapso do sistema como um todo - disse Gilmar, concluindo: — Essa é a realidade. E não há nenhum projeto de reforma da justiça criminal. É interessante quando se faz esse contraste e não se examinam todos os pontos.