terça-feira, 25 de outubro de 2016

Congresso precisa barrar ações contra a Lava-Jato


Em evento contra a corrupção realizado ontem na Assembleia Legislativa do Paraná, em Curitiba, o juiz Sérgio Moro disse que o Congresso “deve mostrar em que lado se encontra”. O magistrado da Lava-Jato referia-se ao projeto de dez medidas anticorrupção, propostas pelo Ministério Público e apoiadas por mais de dois milhões de assinaturas de eleitores. Moro é favorável à proposta.

Pode não ter sido a intenção dele, mas a frase do juiz também serve como alerta aos parlamentares diante de nova mobilização, com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) à frente, para que seja apressada, na Casa, a tramitação de um projeto para coibir “abusos de autoridade”.

Este projeto estava engavetado no Senado há mais de cinco anos, quando Renan o colocou para tramitar novamente, não por acaso assim que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo a prisão dele, do ex-senador e ex-presidente da República José Sarney, do ainda deputado Eduardo Cunha e do senador Romero Jucá (PMDB-RR). Jucá é o relator do projeto.


Houve reação, Renan recuou, mas volta a falar em acelerar a proposta para que ela seja apreciada junto com a emenda à Constituição da reforma política. Inexiste relação efetiva entre os dois temas. A prisão de agentes da Polícia Legislativa próximos a Renan, pela PF, teria levado o senador a voltar com força à campanha por essa lei.

Mas a ideia do projeto tem, em si, razão de ser. No país do “você sabe com quem está falando?”, há mesmo muito abuso de agentes públicos contra o cidadão. Mesmo que seja alguém com algum status social, como fica exposto em certas medidas de procuradores e decisões de delegados. Foi neste contexto que surgiu o projeto, em 2009, do deputado Raul Jungmann, então do PPS pernambucano, hoje ministro da Defesa de Michel Temer.

É conhecida a movimentação de parlamentares para, por meio de projetos de lei, criar barreiras à Lava-Jato. Um alvo dos parlamentares é criar dificuldades para as delações premiadas. Um deputado suplente lulopetista, Wadih Damous (RJ), por exemplo, assina um projeto na Câmara para impedir a homologação de delação premiada de quem está preso. Mesmo que a maior parte dos testemunhos, sob esse regime jurídico, tenha sido oficializada com o réu em liberdade, a medida criaria dificuldades para a Lava-Jato e qualquer outra operação do tipo.

Também não deve ter sido coincidência que nas já célebres gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Alexandre Machado, com Renan, Sarney e outros, privadamente, o assunto tenha sido citado naquela conspiração para barrar a Lava-Jato a partir do Congresso.

O projeto contra “abusos de autoridade” se encaixa à perfeição ao desejo claro de se eliminar o campo de manobra legal de forças-tarefas constituídas entre MP, PF e Justiça, ou mesmo dos agentes públicos individualmente.

De fato, policiais, delegados, juízes e promotores ficariam vulneráveis a denúncias formais de investigados. Em outros tempos, o assunto merecia debates. Hoje, como sabe o juiz Sérgio Moro, passa no Brasil um videoteipe do que aconteceu na Operação Mãos Limpas, na Itália, responsável por desmontar esquemas de corrupção de políticos, inclusive ligados ao crime organizado, mas depois desidratada pelo Congresso.