Esquema desviou R$ 89 milhões em obra de estrada tocada por empresas da Lava-Jato
Controladoria-Geral da União flagra prejuízo milionário entre 2005 e 2011
O GLOBO - por André de Souza e Danilo Fariello
Empresas investigadas na Operação Lava-Jato, que apura principalmente o
esquema de corrupção na Petrobras, já foram responsáveis por obras de
transporte que causaram prejuízos milionários aos cofres públicos. Entre
2005 e 2011, segundo auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU),
houve irregularidades de pelo menos R$ 89,6 milhões. O total de
irregularidades, entre verbas superfaturadas e perdas que só foram
evitadas pela ação de órgãos de controle, é de R$ 154,3 milhões, em
valores da época.
Anteontem, o GLOBO revelou que o presidente da Camargo
Corrêa, Dalton Avancini, confessou à Justiça que a empreiteira pagou
propina para executar obras na Ferrovia Norte-Sul, nos mesmos moldes das
operações com os contratos da Petrobras. O dinheiro, disse, irrigou os
cofres de partidos políticos e agentes públicos.
O depoimento foi dado no processo de delação premiada, por
meio do qual ele está colaborando em troca da redução da pena. Em março,
o GLOBO mostrou que Avancini confirmara o pagamento de R$ 100 milhões
em propina para obter contratos de obras na usina hidrelétrica de Belo
Monte. O ministro dos Transportes, Antônio Carlos Rodrigues, solicitou à
Valec, estatal ligada à pasta, cópias dos contratos sob suspeita
envolvendo a Ferrovia Norte-Sul, citados na reportagem do GLOBO da
última quinta-feira.
A auditoria da CGU que apontou outras irregularidades foi
feita em 2011, após o escândalo que atingiu o Ministério dos Transportes
e levou à demissão do então ministro Alfredo Nascimento, hoje deputado
(PR-AM). O relatório tem 253 páginas e cita problemas em 12 obras
rodoviárias e três ferroviárias e na contratação de duas empresas. Em
duas dessas obras — a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e a
duplicação da BR-101, no Nordeste —, há pendências com empresas
investigadas Lava-Jato.
Na BR-101, o prejuízo se concentrou no lote 7 da obra de
duplicação da rodovia, orçado em R$ 356,1 milhões. A obra, sob
responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (Dnit), do Ministério dos Transportes, ficou a cargo de um
consórcio formado por Queiroz Galvão, Odebrecht, Andrade Gutierrez e
Barbosa Melo. As três primeiras também estão sendo investigadas na
Lava-Jato.
Segundo a CGU, houve irregularidades de R$ 89,6 milhões
causados por má execução da obra, superfaturamento, superestimativa de
serviços e projeto executivo deficiente. As perdas podem ter sido
maiores. Em relação aos serviço de terraplanagem, a CGU estima um
prejuízo extra em potencial de R$ 20,6 milhões.
No caso das obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, sob
responsabilidade da Valec, só não chegou a haver prejuízo porque as
irregularidades foram descobertas e os valores, corrigidos antes do
desembolso. A obra, orçada em R$ 1,65 bilhão, foi dividida em lotes. O
consórcio formado pelas empreiteiras Galvão Engenharia e OAS, também
investigadas na Lava-Jato, ficou com um lote.
A CGU constatou sobrepreço de R$ 14,7 milhões nos serviços
de terraplanagem. Somados aos R$ 29,47 detectados pelo Tribunal de
Contas da União (TCU), as irregularidades somaram R$ 44,2 milhões.
O Dnit determinou uma devassa nos contratos novos ou em
vigor com empreiteiras citadas na Lava-Jato desde 2010. O Ministério dos
Transportes informou que o Dnit “decidiu iniciar auditoria em cada um
desses contratos e determinar às superintendências regionais que
identifiquem e disponibilizem para a sede (em Brasília) toda a
documentação referente a eventuais processos e contratos dessas empresas
(citadas na Lava-Jato)”.
A Valec informou que “mantém os procedimentos referentes às contratações públicas, previstos na legislação vigente”.
Várias das obras citadas na auditoria, como a da Fiol, foram
citadas em reportagens, levando à investigação da CGU. Outras, como a
BR-101, foram incluídas por iniciativa da própria CGU. “Embora não
conste no rol de obras citadas nas recentes denúncias, a obra da
BR-101/NE foi aqui incluída pelo seu caráter emblemático, representativa
que é da tipologia de problemas que se repetem em inúmeras obras do
Dnit”, escreveu a CGU no relatório.
A CGU usa palavras fortes para descrever as irregularidades
na duplicação da rodovia. Segundo o órgão, a obra “é, sem dúvida, o caso
que evidencia de forma mais clara como a combinação de fatores, a
exemplo da existência de cláusulas restritivas no edital de licitação, o
descaso com a confecção e a análise dos projetos de engenharia, a
falência do modelo de supervisão de obras e a conivência da
fiscalização, podem representar prejuízos significativos ao erário
público, materializados pela medição de serviços não executados, pela
necessidade constante de revisões de projeto em fase de obra com
repercussão financeira, algumas das quais resultantes de erros
grosseiros de projeto e pela falta de qualidade dos serviços entregues”.
Nos últimos anos, as grandes empreiteiras deixaram os
contratos do Dnit, dando espaço a companhias de médio e pequeno portes.
Em 2010, porém, elas ainda tinham forte atuação na construção e
manutenção de estradas. A redução da participação dessas empresas dos
leilões do Dnit combinou com a adoção de medidas para coibir formas de
corrupção no setor. Segundo o Ministério dos Transportes, nos últimos
anos Dnit e Valec passaram a ter acompanhamento sistemático dos órgãos
de controle internos e externos ao governo. Seus editais de licitação
foram reavaliados para incorporar sugestões da CGU.
O governo diz que as instituições passaram a reter
pagamentos sempre que identificada irregularidade nos contratos, e
aperfeiçoaram os sistemas de acompanhamento e medição das obras. Também
foi adotado o regime diferenciado de contratação (RDC), com leilões
públicos e orçamentos sigilosos.
Ao GLOBO, a CGU informou que não puniu as empresas citadas
no relatório nem abriu processos de responsabilização contra elas.
“Contudo, caso as investigações da Lava-Jato ou outros trabalhos
investigativos revelem informações importantes que apontem a existência
de corrupção e atos lesivos à administração, a CGU poderá sim abrir
processos de responsabilização com vistas à aplicação de possíveis
sanções”, diz o órgão.
A CGU comunicou também que a detecção de irregularidades por
uma auditoria do órgão não leva necessariamente à abertura de um
procedimento administrativo punitivo. “Para que um processo punitivo
seja aberto, é necessária a comprovação de corrupção, de atos ilícitos
lesivos à administração pública. Nos casos em que as irregularidades
apontadas pela auditoria sejam referentes a casos menos graves, como,
por exemplo, falhas de gestão, não há a necessidade de abertura de tal
processo”, disse a CGU.