Os indicadores do mercado financeiro refletem a animação com as grandes chances de vitória de Bolsonaro; a subida das ações, por exemplo, significa que mais pessoas se sentem otimistas para comprá-las, o que faz seu preço aumentar
"Bolsa sobe e dólar cai após pesquisa confirmar dianteira de Bolsonaro."
Títulos semelhantes a esse tornaram-se comuns no segundo turno das eleições à Presidência, depois de pesquisa eleitorais mostrarem o candidato Jair Bolsonaro (PSL) muito à frente de Fernando Haddad (PT) na disputa. Só em outubro, o Ibovespa, principal indicador da bolsa paulista, acumula alta de mais de 6%; enquanto o dólar já caiu mais de 7% neste mês.
Os indicadores refletem a animação do mercado financeiro com as grandes chances de vitória de Bolsonaro. A subida das ações significa que mais pessoas se sentem otimistas para comprá-las, o que faz seu preço aumentar. Mas o que explica essa euforia?
Segundo analistas e professores entrevistados pela BBC News Brasil, a receita combina dois fatores: uma forte rejeição que cria um clima de "tudo menos o PT" e a presença de Paulo Guedes na campanha do PSL, visto como um economista comprometido com a agenda liberal. Mesmo assim, há dúvidas que persistem a poucos dias da eleição e podem, na opinião dos especialistas, reverter essa animação a qualquer momento.
A visão dos entrevistados, no entanto, não é consenso no mundo econômico: ela diverge dos argumentos de economistas que apoiam as propostas de Haddad e que veem no liberalismo e no corte de gastos públicos um risco de aprofundar a recessão e piorar a proteção social das camadas mais pobres da população.
O antipetismo
O otimismo que se vê no mercado financeiro, na visão dos entrevistados, não estaria diretamente ligado à figura de Bolsonaro, mas ao que seu crescimento nas pesquisas representa: a menor chance de Haddad ganhar.
Segundo analistas, parte importante dessa reação é o alívio por não haver um novo governo petista, possibilidade vista como "muito negativa" por investidores, que associam o partido à crise econômica e à piora das contas públicas observadas nos últimos anos.
Bolsonaro seria, portanto, o "menor pior" de dois nomes ruins, diz o professor de economia Insper Otto Nogami. Ele explica que no primeiro turno a aposta do mercado era Geraldo Alckmin, do PSDB, considerado a escolha mais segura entre os candidatos.
O discurso de Alckmin, de privatizar estatais e fazer a reforma da Previdência, estaria alinhado ao que o mercado deseja, além de ele ter ampla experiência como governador de São Paulo e articulação política para aprovar suas propostas.
Ele afirma que, no primeiro turno, tanto Bolsonaro quanto Haddad e Ciro Gomes (PDT) preocupavam os investidores. Mas o petista sempre teve a maior rejeição.
O forte crescimento das despesas públicas nas gestões do PT e a interferência estatal em questões como as tarifas de energia elétrica, por exemplo, são encarados com aversão pelo mercado. Para analistas, os governos petistas foram irresponsáveis com o orçamento, o que deixou o país numa situação fiscal delicada - o argumento está entre os usados no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
"Tudo o que foi feito na economia nos últimos anos, no final do mandato do Lula e no de Dilma, com as intervenções e o aumento do crédito, não gerou emprego, renda ou resultados para as empresas. O viés é mal visto por esse motivo", diz a analista de macroeconomia e política da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro.
As propostas de Haddad
Além disso, acrescenta Ribeiro, as propostas de Haddad vão na direção contrária do que o mercado quer. Ele propõe revogar projetos aprovados sob a presidência de Michel Temer (MDB), como a reforma trabalhista e o teto dos gastos públicos, que limita o crescimento das despesas do governo por 20 anos.
O plano do candidato prevê, por exemplo, que "não é possível governar o Brasil nessa crise sem revogar as medidas que atacam a soberania nacional e popular, impostas pelo governo ilegítimo de Temer".
Na visão petista, o teto dos gastos, por exemplo, já se mostrou ineficiente para reanimar economias na Europa, que tiveram suas recessões aprofundadas após programas de austeridade.
"Nem o FMI ousou impor à Argentina aquilo que o governo Temer se autoimpôs e impôs ao país", afirmou Haddad em comício no mês passado. Sobre a reforma da Previdência, o presidenciável diz que não descarta definir uma idade mínima para aposentadoria, mas afirmou que, no primeiro ano de seu eventual governo, restringirá as mudanças ao regime previdenciário dos servidores públicos.
Ribeiro, da Tendências, argumenta que investidores pensam o oposto de Haddad: não seria possível governar o país sem tais medidas, que cortam gastos e ajudariam a colocar o orçamento público em ordem.
Para a analista da Tendências, revogar o teto dos gastos sem apresentar uma reforma da Previdência seria uma "péssima notícia". Isso porque os benefícios previdenciários abocanham boa parte dos gastos totais do governo - 53,4%, segundo estimativas da proposta de orçamento de 2019 -, espremendo os recursos para outras áreas, como saúde e educação. Sem dinheiro em caixa, o país tornaria-se "ingovernável".
"Eles querem voltar atrás em todos os avanços do governo Temer. E tem uma parte que é biruta, que não vai implementar de jeito nenhum. Falar em controlar capital especulativo para o mercado é um desespero. Muitos desses tópicos não devem ser implementados, mas sinalizam algo. E os mercados reagem a isso."
A professora de Macroeconomia da FGV Celina Martins Ramalho, que ensina sobre negócios no Brasil para estrangeiros, tem outros adjetivos para as ideias de Haddad: "problemáticas" e "ingênuas".
"Revogar o teto dos gastos é um tiro no pé, porque o grande problema da economia brasileira é o deficit público. Para o governo se movimentar, ele precisa estar saudável."
A ingenuidade ficaria por conta da crença de que, como governo, o PT conseguiria reverter todas as reformas, em uma Câmara em que o PSL terá a segunda maior bancada, com 52 deputados, atrás do próprio PT, que terá 56. Apesar de siglas importantes não terem apoiado Bolsonaro, é pouco provável que num clima forte de antipetismo, PSDB e PMDB atuem em aliança com um governo Haddad.
Celina Ramalho, da FGV, diz que essa polarização também influencia o comportamento dos investidores.